Termo de ajustamento de conduta está sendo analisado, e prevê retorno das construções, após acordo entre moradores de comunidades e a empresa responsável. Negociação esteve no centro de polêmica em março, quando procurador e funcionários de institutos foram impedidos de deixar aldeia.
Após uma reunião entre o Ministério Público Federal, a empresa Zopone e lideranças do povo indígena Noke Koi, as obras do “linhão” de energia entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul foram retomadas. A informação foi confirmada ao g1 pelo MPF nessa terça-feira (16), que também explicou que um termo de ajustamento de conduta está em análise mas ainda não foi assinado.
Ainda conforme o MPF, o termo previa que as obras poderiam ser retomadas a partir do dia 11 de abril. Mesmo sem a assinatura, a empresa entrou em acordo com os moradores de comunidades próximas à construção e a data foi cumprida.
De acordo com a empresa Zopone, que opera no estado por meio da Transmissora Acre, responsável pela linha, a reunião ocorreu no dia 10 de abril e contou com a participação de lideranças indígenas, representantes do MPF, Funai e Ibama. No encontro, segundo a empresa, foram atendidas demandas das comunidades.
"Nesta reunião, foi lavrada uma minuta para o TAC pelo MPF e aprovada por todos os presentes. Em 11 de abril de 2024, o MPF enviou oficialmente a memória da reunião e, em 14 de abril de 2024, o TAC, o qual está sendo conferido pelas partes, para posterior assinatura", informou por meio de nota.
O g1 não conseguiu contato com o cacique Edilson Rosas Noke Koi. O MPF disse que não iria se manifestar sobre o teor do termo até que seja assinado.
Alvo de polêmica
A negociação esteve no centro de polêmica em março, quando um procurador do Ministério Público Federal (MPF-AC), três superintendentes do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Ibama) e quatro funcionários do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Acre (Idaf) foram impedidos de deixar a Terra Indígena Campinas/Katukina, distante 80 quilômetros da cidade de Cruzeiro do Sul, no interior do Acre. A informação foi confirmada ao g1, na época, pelo instituto.
No mesmo dia, os funcionários do Idaf foram liberados e horas depois as demais pessoas. À Rede Amazônica, o cacique da aldeia, Edilson Rosas Noke Koi negou que a comunidade tivesse feito os servidores reféns e disse que apenas estava tentando resolver questões relacionadas as obras executadas na região.
Na comitiva que visitou o local, também estavam outros funcionários do MPF. De acordo com o Instituto, os indígenas chegaram a pedir um valor de R$ 30 milhões em conta para liberá-los. Imagens enviadas ao g1 mostraram o início da discussão entre a liderança indígena e a comitiva durante a reunião (veja acima).
O processo de negociação era para que os indígenas tivessem alguns benefícios para a comunidade após a construção do 'Linhão', que liga Rio Branco a Cruzeiro do Sul. Na ocasião, o MPF foi ao local para formalizar a assinatura do termo de adesão.
Indígenas reclamam de irregularidades em obras do 'Linhão' de Rio Branco a Cruzeiro do Sul — Foto: Reprodução Rede Amazônica Cruzeiro do Sul
Derrubada de 100 árvores sagradas
No entanto, indígenas teriam apontado irregularidades, incluindo a derrubada de 100 Samaúmas, árvores que o povo Noke Koi considera sagradas, para a construção da estrada de acesso às torres do 'Linhão'. Eles teriam ainda exigido compensação pelos transtornos, barrando a saída da comitiva até que um acordo fosse alcançado.
A Polícia Federal (PF-AC) chegou a ser acionada para acompanhar o resgate. Segundo o cacique dos Noke Koi, os indígenas chegaram a considerar fazer os servidores reféns, porém, não teriam executado de fato o plano. Ele alega ainda que o objetivo da aldeia era apenas apontar os problemas que as obras estavam trazendo para a população local.
“Nós estamos acompanhando tudo, acompanhando e monitorando as obras que estavam acontecendo na comunidade, nas aldeias. E a abertura das estradas para chegar a ter acesso à torre da energia. Isso foi trazendo um impacto muito grande com o povo Nuke Kuĩ , que estava fora do nosso estudo. Tem coisa que estava dentro do estudo, mas tem coisa que estava fora do nosso estudo”, disse.
Ele enfatizou ainda que os termos definidos pelo Estudo de Impacto Ambiental (CI-EIA) e Plano Básico Ambiental (CI-PBA), para o licenciamento ambiental não estavam sendo cumpridos. “Porque quando nós fizemos o estudo de árvores sagradas, não era para ter derrubado, né? E hoje chegaram, a ciência, sem autorização de ninguém, que derrubaram cem Samaúmas”, reclamou.
Terra Indígena Campinas/Katunina, em Cruzeiro do Sul — Foto: Reprodução/Google Earth
Obras foram paralisadas após pedido do MPF
Em nota, o MPF confirmou o caso e disse ter recebido a lista de reclamações dos indígenas. "Durante a reunião, os ânimos se exaltaram e os indígenas chegaram a atravessar um trator da empreiteira no acesso à aldeia, dizendo que só abririam com o encaminhamento das demandas", diz.
Segundo o MPF, foi feito um acordo com o representante local da empresa responsável pelas obras para que esclarecimentos sejam dados em até cinco dias. As obras deverão ficar paralisadas até que haja a solução dos problemas.
O g1 entrou em contato com a Zopone. Por meio de nota (leia na íntegra abaixo), a transmissora segue rigorosamente todas as condições especificadas no Estudo do Componente Indígena (CI-PBA), aprovado pela comunidade indígena e pela Funai e o Plano Básico Ambiental (PBA), aprovado pelo Ibama.
"Na vistoria realizada não foi constatado nenhum desvio com relação aos serviços executados e respectivos projetos e sim, houve novas reivindicações realizadas pela comunidade indígena que não estavam nos respectivos projetos já aprovados. A Transmissora aguarda a notificação do Ministério Público para avaliar a situação e tomar as possíveis ações necessárias", diz.
Linhão
As linhas de construção para transmissão de energia para o Juruá tem uma extensão de aproximadamente 685 km e atravessa as terras indígenas. Uma delas, de 385 km, tem início em Rio Branco com término até Feijó. A outra, com 300 km, vai de Feijó até Cruzeiro do Sul.
Em razão disto, um Termo de Cooperação Técnica seria assinado para ofertar aos Katukinas cursos, apoio para realização de festival indígena, acesso a eventos de artesanato de nível nacional, entrega de carteira de artesão, dentre outras parcerias que, no total, somariam R$ 27 milhões. Isto foi feito para reduzir os danos ambientais causados pela construção do linhão.
Povo Noke Koi vive no interior do Acre — Foto: Reprodução Rede Amazônica Cruzeiro do Sul
Povo Noke Koi
O povo Noke Koi, é uma comunidade indígena originária do Acre. Atualmente, segundo a Comissão Pró-Indígenas do Acre e Funai, é composta de 895 membros com sete aldeias divididas em duas áreas. A Terra Indígena Campinas/Katukina, em Cruzeiro do Sul e a Terra Indígena Rio Gregório em Tarauacá.
As terras em que eles vivem foram demarcadas em 1984 e receberam homologação por parte do Governo Federal em 1993. No local, eles trabalham com sistemas agroflorestais e manejo, mas a principal fonte de renda é a venda de artesanato e produção de milho, arroz e farinha.
Até alguns anos atrás eram conhecidos como 'Katukina'. Entretanto, a denominação que significa 'clã da onça pintada', deixou de ser usada por eles, já que foi um nome dado pelos colonizadores brancos que chegaram à região amazônica no final do século 19. Noke Koi, significa 'povo verdadeiro' e seria uma denominação utilizada por eles nos séculos que antecederam o contato com os colonizadores.
De acordo com a CPI, 97% da população fala a língua originária, um ramo da família linguística pano, e apenas 3% deles falam apenas português.
NOTA DA ZOPONE
A Transmissora Acre possui o contrato de concessão com a Aneel para a execução da linha de transmissão de energia de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, sendo que o trecho de Rio Branco a Feijó já está energizado, propiciando melhores condições para toda a população e beneficiando o meio ambiente, evitando o consumo de milhões de litros de óleo diesel por mês.
O trecho Feijó a Cruzeiro do Sul está em andamento. A linha de transmissão corta a reserva indígena Campinas Katukina por solicitação da comunidade indígena, pois inicialmente a linha contornava a reserva e causaria a abertura de acessos em plena Floresta Amazônica, propiciando uma situação de vulnerabilidade para as aldeias com relação a possíveis invasões.
A Transmissora está seguindo rigorosamente todas as condições especificadas no Estudo do Componente Indígena (CI-PBA), aprovado pela comunidade indígena e pela Funai e o Plano Básico Ambiental (PBA), aprovado pelo Ibama.
Na vistoria realizada não foi constatado nenhum desvio com relação aos serviços executados e respectivos projetos e sim, houve novas reivindicações realizadas pela comunidade indígena que não estavam nos respectivos projetos já aprovados.
A Transmissora aguarda a notificação do Ministério Público para avaliar a situação e tomar as possíveis ações necessárias.
Fonte: G1
0 Comentários