Futebol precisa sair da enrascada em que se meteu. Quem sabe, ainda dá para ter liga

O futebol brasileiro se meteu numa enrascada. Tanto se falou na criação da liga de clubes, tanto se brigou para que reduzisse o desequilíbrio na distribuição do dinheiro da televisão, o cenário atual aponta para um desfecho que não cumpre nem uma coisa, nem outra. Se a turma não dedicar tempo e boa vontade para resolver os problemas criados pela disputa entre Libra e Liga Forte União, vamos acabar sem liga e com mais desigualdade. Mas ainda dá para resolver.

O cerne da questão está nos lugares distintos em que os dirigentes foram parar. A Libra queria vender 20% de suas receitas futuras para o Mubadala, mas o fundo de investimentos queria tantas contrapartidas — até os gandulas virariam uma propriedade comercial dos árabes! —, que acabou irritando os cartolas e brecando o negócio. Já a LFU queria vender 20% de suas receitas para os investidores coordenados por XP e Life Capital Partners e conseguiu fechar.

Já nos direitos de transmissão propriamente ditos, a Libra assinou contrato com a Globo e já está recebendo antecipação de parte da verba. As partidas de mandante de seus clubes passarão na emissora entre 2025 e 2029. A LFU agora está no mercado pegando propostas de grupos de mídia para vender seus direitos. Ou seja, um bloco vendeu os direitos, mas nenhum percentual sobre receitas futuras, enquanto o outro fez exatamente o contrário. Uma bagunça.

Em termos práticos, por que essa discrepância é negativa para o futebol? A dupla gaúcha é o exemplo mais emblemático em relação à divisão do dinheiro. Grêmio e Internacional, que sempre faturaram mais ou menos a mesma coisa da televisão, ficaram assim: o Grêmio manteve 100% de suas receitas futuras e já fechou com a Globo, enquanto o Internacional tem apenas 80%, pois já cedeu 20% para investidores, e ainda está sem parceiro para a exibição.

Digamos que a LFU consiga o improvável no mercado de mídia e feche contratos pelo mesmo valor que a Libra. Se o Grêmio arrecadar R$ 100 milhões por ano, chutando um número hipotético, o Inter receberá R$ 80 milhões. Quantos jogadores o lado azul do Rio Grande do Sul consegue pagar com essa diferença? Agora considere que o contrato colorado com seus investidores é de 50 anos. Distorções assim estão espalhadas em todos os Estados brasileiros.

Ainda dá para arrumar. Como medida emergencial, a LFU precisa reduzir o percentual que vendeu para investidores. A ideia inicial era ceder 20%. Até este momento, após o primeiro pagamento, Botafogo e Cruzeiro receberam o dinheiro equivalente a 10%, enquanto Vasco, Fluminense, Inter e demais integrantes da Série A venderam 12%. É necessário frear o negócio aí. Sentar-se com os investidores, concluir que 20% é muito e brecar o contrato nos percentuais já pagos.

Em seguida, as conversas entre Libra e LFU — que já estão rolando! — precisam chegar a um modelo que aproxime percentuais. Flamengo e Palmeiras não querem vender nada, pois não estão desesperados por dinheiro imediato? Deve haver meio termo que os agrade. Assim como Atlético-MG, Bahia, Red Bull Bragantino, Santos e Corinthians, cada um à sua maneira. O futebol brasileiro precisa sair da enrascada em que se meteu. Quem sabe, ainda dá para sonhar com a liga.


Fonte: O GLOBO