Chamado de ‘incompetente’ e ‘desafeto pessoal’ pelo presidente da Câmara, ministro disse que ‘não desceria a esse nível’

Um dia depois de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), classificar o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como “incompetente” e “desafeto pessoal”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e o próprio ministro reagiram ontem ao ataque. Embora o Palácio do Planalto negue, nos bastidores, as respostas acentuam a crise com Lira, que reclama do trabalho de Padilha, responsável pela articulação política, desde os primeiros meses do governo.

Ao enaltecer o auxiliar pela atuação, Lula provocou Lira e disse que, “só de teimosia”, vai deixar o petista mais tempo no ministério. Descartou, portanto, ceder à pressão do presidente da Câmara pela troca na pasta.

— Ele está no cargo que parece ser o melhor do mundo nos primeiros seis meses, mas é que nem casamento. É tudo maravilhoso nos primeiros seis meses, (quando) o casal ainda está se descobrindo. E aí chega um momento que começa a cobrar, e o Padilha está na fase da cobrança — afirmou Lula durante agenda em São Paulo. — Eu dizia que esse é o tipo de ministério em que a gente troca (o ministro) a cada seis meses. Mas, só de teimosia, o Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério, porque não tem ninguém melhor para lidar com o Congresso Nacional que o Padilha.

'Rancor é igual tumor'

Na quinta-feira, Lira acusou o ministro de plantar informações de que ele teria atuado pela soltura do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso acusado de mandar matar a vereadora carioca Marielle Franco. Ontem, além de negar a acusação, Padilha disse que não desceria ao nível do presidente da Câmara.

— Sinceramente, não vou descer a esse nível. Sou filho de uma alagoana arretada que sempre disse que, se um não quer, dois não brigam — afirmou Padilha antes de participar de evento no Rio.

Ao classificar a relação com o Legislativo no ano passado como “de sucesso”, o ministro citou a letra de uma música do rapper Emicida para dizer que não vai alimentar rancor.

— A periferia de São Paulo produziu uma grande figura, o Emicida, que diz: ‘Mano, o rancor é igual tumor: envenena a raiz, quando a plateia só deseja ser feliz’.

O PT também soltou uma nota em reação a Lira. Para o partido, ao atacar o ministro dessa maneira, o parlamentar “compromete a liturgia do cargo” de presidente da Câmara e “ofende a harmonia” entre os Poderes. “O Brasil precisa de relações republicanas saudáveis para superar o atual estágio de beligerância provocado por atitudes que desafiam a convivência política e social”, afirma o texto.

No Planalto, as críticas públicas de Lira foram recebidas como uma demonstração de insatisfação do deputado pelo resultado do plenário na quarta-feira, quando os parlamentares mantiveram Chiquinho Brazão na prisão. No dia da votação, articuladores de Lula afirmavam que o tema não era encarado como “pauta do governo”, embora houvesse a orientação de posicionamento para a base. Também comentavam que o resultado não representaria “derrota” ou “vitória” do Planalto.

Após a sessão, no entanto, Padilha apareceu em um vídeo ao lado da ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco comemorando o resultado. Ela é irmã de Marielle.

Rompimento

Outra avaliação de governistas é que a fala de Lira na quinta-feira não mudará a relação dele com Padilha e nem adiará uma eventual reconciliação, que sequer estava no horizonte. Ambos não conversam desde o final de 2023. O presidente da Câmara tem tratado de assuntos do governo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

— Essa notícia foi vazada do governo e, basicamente, do ministro Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, um incompetente. Não existe partidarização. Eu deixei bem claro que ontem a votação foi de cunho individual, cada deputado responsável pelo voto que deu. Não tem nada a ver — disse Lira na quinta.

A briga entre os dois não é de hoje. Em abril do ano passado, em entrevista ao GLOBO, Lira criticou Padilha ao reclamar da distribuição de emendas aos deputados.

Em outubro, veio o rompimento. O estopim, segundo aliados do deputado, foi a edição de uma portaria do governo prevendo que a liberação de recursos apadrinhados por parlamentares na Saúde deve ser aprovada por um colegiado formado por gestores do SUS em cada estado.

Em discurso no início do ano legislativo, em fevereiro, Lira cobrou o cumprimento de acordos firmados, disse que “errará” quem apostar na inércia da Casa por causa das eleições municipais e elevou a tensão na queda de braço pelo controle do Orçamento ao dizer que a peça orçamentária “pertence a todos e não apenas ao Executivo”.


Fonte: O GLOBO