Proposta foi apresentada em 2023 pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro

Em uma tentativa de reconquistar a confiança dos militares, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a dar respaldo a uma proposta da oposição que garante um patamar mínimo de recursos para a área de Defesa nacional, a exemplo do que já ocorre com Saúde e Educação. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) neste sentido, apresentada em 2023 pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, conta agora com o apoio de governistas para avançar no Congresso.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é quem tem articulado o apoio da gestão petista à proposta. Ele se reuniu recentemente com Portinho e com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa à espera da definição de relator. Para o líder do PL, o ideal seria um senador governista assumir essa função, para que a PEC tenha um caráter apartidário.

O discurso entre os defensores do texto é que se trata de “uma medida de Estado e não de governo” e, por esse motivo, reúne apoio de ambos os lados do espectro político.

A PEC prevê a destinação de um percentual mínimo de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) às Forças Armadas no primeiro ano de vigência, com aumento anual até chegar a 2%. Caso o patamar mínimo já estivesse em vigor, por exemplo, o orçamento deste ano do Ministério da Defesa subiria dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8 bilhões.

A pasta comandada por Múcio informa que os recursos atualmente previstos são os menores dos últimos dez anos e que houve um corte de R$ 2 bilhões nas chamadas despesas discricionárias — aquelas que não são obrigatórias, como salários e pensões — em relação à proposta orçamentária enviada pelo governo ao Congresso no ano passado.



Estruturas militares

A redução no dinheiro inicialmente previsto, de acordo com o ministério, compromete o pagamento de contratos já firmados — alguns com governos e empresas estrangeiras — e também a manutenção das estruturas militares no país. “O tema precisa ser debatido no âmbito do Congresso, onde representantes do ministério certamente atuarão, no momento certo”, destacou a pasta em nota.

A Aeronáutica informou que os valores atualmente reservados à Força “são insuficientes” e sustenta que programas estratégicos, como o FX-2, que prevê a aquisição de caças, serão diretamente afetados. A Marinha, por sua vez, defende a aprovação da PEC como forma de “garantir a manutenção do fluxo de recursos orçamentários imprescindíveis à execução dos programas estratégicos de interesse da Força”.

A proposta de Portinho prevê que pelo menos 35% das despesas discricionárias deverão referir-se ao planejamento e à execução de projetos estratégicos para a Defesa, ou seja, para investimentos.

A maior fatia dos recursos da pasta costuma ser comprometida com os pagamentos de salários, pensões e aposentadorias dos militares, que representam 77% das verbas neste ano. Para investimentos, o valor reservado para 2024 é de R$ 8,52 bilhões, 6% menor do que no ano passado, quando foi de R$ 9,1 bilhões — em valores corrigidos pelo IPCA).

— Estamos falando de uma previsibilidade orçamentária para as Forças nesse governo e nos próximos. É uma recomposição gradativa do orçamento — detalha Carlos Portinho.

Apesar de a PEC unir apoio do governo e da oposição, há divergências sobre vincular o orçamento para a área de Defesa ao PIB. Uma das alternativas em discussão seria usar como referência a receita líquida anual.

— Essa foi a proposta do ponto de partida. Estamos discutindo com o governo o que é adequado. Será o PIB? Receita líquida? É para investimento, com certeza. Agora, o valor não pode ser contingenciado, porque se não será “faz de conta” e precisa atender as exigências básicas da indústria de Defesa, de contratações — completa o senador do PL.

Cálculo político

O apoio do governo à PEC do líder do PL é parte da estratégia do presidente Lula para pacificar a relação com militares após desconfianças mútuas que começaram ainda durante o período eleitoral. Com a politização das tropas promovida por Bolsonaro, parte das Forças Armadas foi acusada por aliados do petista de colaborar com os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado.

No seu principal gesto aos militares, Lula incluiu os projetos estratégicos das Forças Armadas em um dos eixos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em que promete investir R$ 52,8 bilhões.

Embora Múcio seja um dos entusiastas da proposta, ainda não houve sinalização do Ministério da Fazenda de que apoia a medida. A PEC vai na contramão do que tem defendido o ministro Fernando Haddad, que tenta evitar o aumento de despesas que possam comprometer o cumprimento da meta fiscal do governo.

“O Ministério da Fazenda não comenta propostas em andamento”, respondeu a pasta ao ser questionada.

PEC dos Militares

O movimento a favor da PEC da Defesa vem na esteira de outra iniciativa que está parada no Senado, a PEC dos Militares. A proposta proíbe militares da ativa de se candidatarem e veda o retorno aos quartéis após as campanhas, mas permite que eles sigam podendo ser ministros de Estado.

O texto da PEC dos Militares foi idealizado por Múcio como uma maneira de o governo reagir ao que considera a politização das tropas. Jaques Wagner foi encarregado de ser o autor da PEC.

Ex-ministro da Defesa, o petista tem boa interlocução com integrantes das Forças Armadas. O tema, no entanto, empacou sob a relatoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO).


Fonte: O GLOBO