Ministro sugeriu mudança na Constituição para que estados e municípios se submetam ao planejamento
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu na segunda-feira a alteração na Constituição para garantir o financiamento de um sistema de segurança pública semelhante ao SUS, ampliando o poder do governo federal na área. Durante seu discurso no seminário Brasil Hoje, realizado pelo grupo Esfera, o ministro sugeriu que a União seja a responsável por fazer um “planejamento nacional” para que estados e municípios se submetam a ele.
— O modelo de segurança pública que concebemos na Constituição de 1988, há 35 anos, alterou-se fundamentalmente. Hoje, não é mais possível termos aquela compartimentação muito específica, a União com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional, e quem faz a segurança das pessoas e do patrimônio é a Polícia Militar e a Civil, e a Guarda Municipal cuida dos interesses das comunidades locais. Este modelo tem que ser modificado por meio de uma alteração constitucional, dando mais poderes à União para fazer um planejamento nacional de caráter compulsório para os demais órgãos de segurança — sugeriu.
Lewandowski elogiou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018, mas afirmou que o tema precisa ser constitucionalizado. O programa que propõe a criação de um plano de ações estruturadas de segurança envolvendo órgãos federais, estaduais e municipais foi instituído formalmente no governo Michel Temer, mas acabou deixado de lado no mandato de Jair Bolsonaro e, embora já tenha sido apontado como “prioridade” no governo Lula, pouco avançou. Para o ministro, a inclusão do Susp na Constituição permitiria instituir um fundo exclusivo para o programa — que conta atualmente com uma parcela da arrecadação com a loteria repassada pela Caixa.
— Saúde, educação e segurança pública são os três problemas que afligem a população brasileira, mas talvez a segurança pública precisasse ser constitucionalizada, com fundo próprio, como o SUS — afirmou Lewandowski.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, a declaração do ministro reconhece que o tema foi “negligenciado” na redação constitucional. O especialista, porém, diz que a União já dispõe de meios para estruturar a coordenação que o Susp sugere.
— A segurança é um dos princípios básicos que nortearam a própria Constituição e é um direito que precisa ser implementado por meio de políticas públicas. Uma mudança no texto daria mais assertividade e mais autoridade para a União, mas o arcabouço existente já permite que o governo assuma o protagonismo da coordenação — diz Lima, destacando que essa coordenação não significa “fazer o que os estados e municípios fazem”. — O papel do governo é o de coordenar, disciplinando sobre temas como o uso de câmeras corporais nos agentes de segurança e o uso de equipamentos como teasers e balas de borracha.
O coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente avalia que o governo federal “está perdido” na discussão do combate ao crime organizado. O militar também defende a implementação do Susp para que o governo faça “correções de rumo” e “ajude a evitar excessos” nas forças de segurança.
— O Susp foi descontinuado no governo Bolsonaro e, embora o Dino (ex-ministro Flávio Dino, hoje no STF) prometesse implantá-lo, nada aconteceu até aqui. O Susp contempla a redução de homicídios, o treinamento de peritos, estabelece parâmetros para estruturar as polícias, trata do compartilhamento de informações. Trata-se de um conjunto de medidas que podem contribuir para um enfrentamento coordenado ao crime — diz o especialista.
As declarações de Lewandowski surgem em um momento em que pesquisas de opinião pública realizadas nos últimos meses mostram que há crescente preocupação com a questão da segurança no país. Levantamento do instituto Ipsos feito em março indica que o crime e a violência são citados por 44% dos brasileiros como o maior problema do Brasil, liderando o ranking de preocupações da população. Trata-se da maior taxa de menções a esse tema registrada desde março de 2020.
Crise de imagem
A pasta comandada por Lewandowski enfrenta uma crise de imagem agravada pela fuga de dois presos (só recapturados após 51 dias) da Penitenciária Federal de Mossoró. Pesquisa do Ipec divulgada com exclusividade pelo GLOBO mostra que 42% dos brasileiros avaliam a atuação do governo na área da segurança como “ruim” ou “péssima”, contra só 27% que veem um desempenho “bom” ou “ótimo”. Outros 28% classificam os esforços do governo nessa seara como “regulares”.
Horas após defender uma mudança na Constituição, Lewandowski voltou ao tema durante palestra no Instituto dos Advogados de São Paulo. O ministro disse que a segurança pública “acabou caindo no colo da União”, mas que o governo federal não tem competência para resolver o problema do modo como a lei e a Constituição estão.
Entenda o Susp, plano usado como exemplo pelo ministro
- O que é: O Sistema Único de Segurança Pública, criado em 2018 para estabelecer uma “arquitetura uniforme para a segurança pública em âmbito nacional”. Prevê atuação conjunta de forças de segurança em operações, compartilhamento de informações, definição de metas e estratégias comuns para a prevenção de crimes, e o intercâmbio de conhecimentos.
- Quem integra: São 17 os integrantes do Susp, dentre eles a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, as polícias militares e civis, os corpos de bombeiros militares e as guardas municipais.
- Qual o papel do governo: Cabe ao Ministério da Justiça e Segurança Pública coordenar os integrantes do Susp. Isso significa promover treinamentos, realizar estudos e desenvolver a doutrina de inteligência policial.
- Como é financiado: Os recursos do Susp são abastecidos com repasses da arrecadação da Caixa. A inclusão do Susp na Constituição poderia destinar ao plano parte do Orçamento, como ocorre com educação e saúde.
Fonte: O GLOBO
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