Federico Pinedo conversou com o GLOBO sobre o envolvimento argentino no G20 de Lula e o compromisso do país com a agenda proposta pelo Brasil
Apesar das públicas e notórias diferenças entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei, da Argentina, a Casa Rosada está participando ativamente da agenda do G20 no ano em que o grupo é presidido pelo Brasil. No final de fevereiro, a ministra das Relações Exteriores argentina, Diana Mondino, esteve presente na reunião de chanceleres do G20 no Rio, e com ela viajou, também, o sherpa argentino (sherpas são emissários pessoais dos chefes de Estado do grupo, que lideram as negociações) Federico Pinedo.
Em sua sala do Palácio San Martin, sede mais antiga da Chancelaria argentina, em Buenos Aires, Pinedo conversou sobre o envolvimento da Argentina no G20 de Lula, o compromisso do país com a agenda proposta pelo Brasil e a possibilidade de que Milei esteja presente na cúpula de chefes de Estado do grupo, em novembro, no Rio. "Temos de fazer todos esforços para que as autoridades de nossos países trabalhem juntas", disse o sherpa argentino, que provavelmente teria sido o chanceler do país caso a atual ministra da Segurança, Patricia Bullrich, tivesse vencido a eleição.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
No início de abril foram realizadas reuniões de sherpas. Quais foram os avanços nas negociações?
Foram três dias de reuniões, semana passada, e o sherpa brasileiro, o embaixador Mauricio Lyrio, conduziu todo o processo com muita habilidade e existem consensos sobre as propostas brasileiras. As disputas que surgiram estiveram mais relacionadas com questões geopolíticas, entre elas as guerras entre Rússia e Ucrânia e a situação em Gaza.
Combinamos que os grupos de trabalho não se envolvam por enquanto em temas políticos, vamos tentar escrever um posicionamento sobre isso em julho sobre como esses temas devem ser tratados. Até então, os sherpas vão pensar numa fórmula para os ministros, que vão se reunir em setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Qual é a predisposição do governo de Milei em relação à presidência brasileira do G20 e sua agenda?
Transmitimos à Chancelaria brasileira um compromisso absoluto da Argentina para que o G20 do Brasil seja um sucesso. Estamos dando nosso apoio em tudo o que é necessário e acompanhando os pontos da agenda brasileira, que inclui temas centrais como a luta contra a fome e a pobreza, o desenvolvimento sustentável, a transição energética, o combate ao aquecimento, e a reforma da governança global. Não temos o mesmo olhar sobre todos os temas, mas temos um compromisso forte em acompanhar as preocupações do Brasil e em chegar a acordos.
A proposta da Aliança Global contra a Fome buscará adesões de países de dentro e fora do G20. A Argentina poderia formar parte da aliança, que será lançada formalmente no final de julho?
É muito provável que a Argentina seja parte dessa aliança, certamente vamos propor nessa aliança o mesmo compromisso que tivemos na última reunião da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), sobre o mesmo tema.
Qual seria esse compromisso?
O que nós acreditamos é que o mundo deve deixar que os grandes produtores de alimentos produzam alimentos e que possam comercializá-los, aumentar sua produção. Nisso estamos juntos ao Brasil em organismos importantes como a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Fomos derrotados há poucos dias, porque a OMC não conseguiu consensos parta estabelecer regras igualitárias sobre o comércio de alimentos, em matéria agrícola e de pesca. Sem protecionismo ou subsídios, ou pelo menos com limitações. Isso não foi conseguido, mas Argentina e Brasil juntos, aliados também aos países do Mercosul, seriam grandes potências em matéria de fornecimento de energia e alimentos ao mundo. O que queremos é que o mundo permita que sejamos parte da solução, como disse nossa chanceler, Diana Mondino, na reunião de chanceleres do Rio, no final de fevereiro.
A pobreza é um problema grave para a Argentina neste momento?
Sim, e o governo argentino acredita em mecanismos institucionais para derrotar a pobreza, os primeiros deles são a estabilidade macroeconômica e a abertura econômica como caminhos para derrotar a inflação. Nesse aspecto, gostaríamos que o Mercosul se transformasse numa plataforma exportadora de alimentos e energia para o mundo. Precisamos abrir mais mercados. O principal gerador de pobreza é a inflação, e, apesar de já ter conseguido uma queda expressiva, ainda estamos em 250% nos últimos 12 meses. Temos de terminar com isso para diminuir a pobreza. Em segundo lugar, temos de gerar emprego e para isso precisamos expandir a atividade econômica.
Em Buenos Aires se vê mais fome, pessoas comendo do lixo…
A Argentina tem um problema de organização das políticas sociais. O sistema anterior estava baseado no clientelismo político, isso terminou. Eram o que chamamos dos gerentes da pobreza. Nosso governo está reformulando os programas de apoio social para que o dinheiro do Estado chega aos beneficiários. Tivemos alguns problemas, mas estamos trabalhando para resolver esses problemas.
No Brasil existem dúvidas sobre a real disposição do governo de Milei para trabalhar com o Brasil…
Minha opinião pessoal é de que não trabalham as pessoas que dirigem os governos, trabalham os países. E a Argentina vai trabalhar com o Brasil. Temos muitas coisas importantes para fazer juntos. Mencionei algumas das mais importantes. Temos de ser uma região com voz no mundo, e para isso precisamos trabalhar juntos.
O que espera o governo de Milei do G20 brasileiro?
Estamos passando por um ano muito especial, e já dissemos a todos os países que estamos dedicados a consolidar a estabilidade macroeconômica em nosso país. Vamos estabelecer regras claras para captar rapidamente investimentos estrangeiros, sobretudo em setores como o de energia.
Temos enormes reservas de gás, cobre e lítio, e precisamos atuar rapidamente. Precisamos de bilhões de dólares. Essa é a prioridade da Argentina este ano. Mas, na ordem internacional, vamos trabalhar dentro do G20 para ter um comércio mais aberto, uma macroeconomia estável nacional e internacional, e para que exista qualidade institucional e que isso permita atacar a pobreza e receber investimentos.
Os ministérios do governo Milei estão presentes em todas as reuniões do G20?
São todos ministérios novos, por isso minha unidade fala com os ministros para que cada um, em seu tema, elabore a posição argentina nos 15 grupos de trabalho permanente do G20 e nas iniciativas do Brasil, como a aliança contra a fome. Alguns estão atendendo situações desesperantes e sobra pouco tempo para a agenda internacional. Mas estamos trabalhando. A Argentina terá uma posição própria e construtiva em toda a agenda do G20.
O presidente Milei irá à cúpula de chefes de Estado em novembro, no Rio?
Espero que sim, acho que o razoável é que os chefes de Estado saibam que devem usar dois chapéus e não apenas um. Um primeiro chapéu é o de sua própria pessoa, e outro é o chapéu do país. Quando se ocupa uma função pública, o dono dessa função é o país. Brasil e Argentina têm muitas coisas importantes para fazerem juntos, precisamos de um compromisso forte para que nossa região continue sendo de paz, como foi declarado pelas Nações Unidas. Temos de fazer todos esforços para que as autoridades de nossos países trabalhem juntas.
Fonte: O GLOBO
A seguir, os principais trechos da entrevista:
No início de abril foram realizadas reuniões de sherpas. Quais foram os avanços nas negociações?
Foram três dias de reuniões, semana passada, e o sherpa brasileiro, o embaixador Mauricio Lyrio, conduziu todo o processo com muita habilidade e existem consensos sobre as propostas brasileiras. As disputas que surgiram estiveram mais relacionadas com questões geopolíticas, entre elas as guerras entre Rússia e Ucrânia e a situação em Gaza.
Combinamos que os grupos de trabalho não se envolvam por enquanto em temas políticos, vamos tentar escrever um posicionamento sobre isso em julho sobre como esses temas devem ser tratados. Até então, os sherpas vão pensar numa fórmula para os ministros, que vão se reunir em setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Qual é a predisposição do governo de Milei em relação à presidência brasileira do G20 e sua agenda?
Transmitimos à Chancelaria brasileira um compromisso absoluto da Argentina para que o G20 do Brasil seja um sucesso. Estamos dando nosso apoio em tudo o que é necessário e acompanhando os pontos da agenda brasileira, que inclui temas centrais como a luta contra a fome e a pobreza, o desenvolvimento sustentável, a transição energética, o combate ao aquecimento, e a reforma da governança global. Não temos o mesmo olhar sobre todos os temas, mas temos um compromisso forte em acompanhar as preocupações do Brasil e em chegar a acordos.
A proposta da Aliança Global contra a Fome buscará adesões de países de dentro e fora do G20. A Argentina poderia formar parte da aliança, que será lançada formalmente no final de julho?
É muito provável que a Argentina seja parte dessa aliança, certamente vamos propor nessa aliança o mesmo compromisso que tivemos na última reunião da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), sobre o mesmo tema.
Qual seria esse compromisso?
O que nós acreditamos é que o mundo deve deixar que os grandes produtores de alimentos produzam alimentos e que possam comercializá-los, aumentar sua produção. Nisso estamos juntos ao Brasil em organismos importantes como a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Fomos derrotados há poucos dias, porque a OMC não conseguiu consensos parta estabelecer regras igualitárias sobre o comércio de alimentos, em matéria agrícola e de pesca. Sem protecionismo ou subsídios, ou pelo menos com limitações. Isso não foi conseguido, mas Argentina e Brasil juntos, aliados também aos países do Mercosul, seriam grandes potências em matéria de fornecimento de energia e alimentos ao mundo. O que queremos é que o mundo permita que sejamos parte da solução, como disse nossa chanceler, Diana Mondino, na reunião de chanceleres do Rio, no final de fevereiro.
A pobreza é um problema grave para a Argentina neste momento?
Sim, e o governo argentino acredita em mecanismos institucionais para derrotar a pobreza, os primeiros deles são a estabilidade macroeconômica e a abertura econômica como caminhos para derrotar a inflação. Nesse aspecto, gostaríamos que o Mercosul se transformasse numa plataforma exportadora de alimentos e energia para o mundo. Precisamos abrir mais mercados. O principal gerador de pobreza é a inflação, e, apesar de já ter conseguido uma queda expressiva, ainda estamos em 250% nos últimos 12 meses. Temos de terminar com isso para diminuir a pobreza. Em segundo lugar, temos de gerar emprego e para isso precisamos expandir a atividade econômica.
Em Buenos Aires se vê mais fome, pessoas comendo do lixo…
A Argentina tem um problema de organização das políticas sociais. O sistema anterior estava baseado no clientelismo político, isso terminou. Eram o que chamamos dos gerentes da pobreza. Nosso governo está reformulando os programas de apoio social para que o dinheiro do Estado chega aos beneficiários. Tivemos alguns problemas, mas estamos trabalhando para resolver esses problemas.
No Brasil existem dúvidas sobre a real disposição do governo de Milei para trabalhar com o Brasil…
Minha opinião pessoal é de que não trabalham as pessoas que dirigem os governos, trabalham os países. E a Argentina vai trabalhar com o Brasil. Temos muitas coisas importantes para fazer juntos. Mencionei algumas das mais importantes. Temos de ser uma região com voz no mundo, e para isso precisamos trabalhar juntos.
O que espera o governo de Milei do G20 brasileiro?
Estamos passando por um ano muito especial, e já dissemos a todos os países que estamos dedicados a consolidar a estabilidade macroeconômica em nosso país. Vamos estabelecer regras claras para captar rapidamente investimentos estrangeiros, sobretudo em setores como o de energia.
Temos enormes reservas de gás, cobre e lítio, e precisamos atuar rapidamente. Precisamos de bilhões de dólares. Essa é a prioridade da Argentina este ano. Mas, na ordem internacional, vamos trabalhar dentro do G20 para ter um comércio mais aberto, uma macroeconomia estável nacional e internacional, e para que exista qualidade institucional e que isso permita atacar a pobreza e receber investimentos.
Os ministérios do governo Milei estão presentes em todas as reuniões do G20?
São todos ministérios novos, por isso minha unidade fala com os ministros para que cada um, em seu tema, elabore a posição argentina nos 15 grupos de trabalho permanente do G20 e nas iniciativas do Brasil, como a aliança contra a fome. Alguns estão atendendo situações desesperantes e sobra pouco tempo para a agenda internacional. Mas estamos trabalhando. A Argentina terá uma posição própria e construtiva em toda a agenda do G20.
O presidente Milei irá à cúpula de chefes de Estado em novembro, no Rio?
Espero que sim, acho que o razoável é que os chefes de Estado saibam que devem usar dois chapéus e não apenas um. Um primeiro chapéu é o de sua própria pessoa, e outro é o chapéu do país. Quando se ocupa uma função pública, o dono dessa função é o país. Brasil e Argentina têm muitas coisas importantes para fazerem juntos, precisamos de um compromisso forte para que nossa região continue sendo de paz, como foi declarado pelas Nações Unidas. Temos de fazer todos esforços para que as autoridades de nossos países trabalhem juntas.
Fonte: O GLOBO
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