A operação deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) na terça-feira contra duas empresas de ônibus que seriam usadas para lavar dinheiro do PCC mostrou o alcance das atividades da facção criminosa em negócios que fazem parte do cotidiano dos paulistas, como o transporte público, investimentos imobiliários, clínicas e postos de combustível. A UPBus e a Transwolff (TW), alvos da operação, transportam cerca de 700 mil pessoas por dia na zonas Sul e Leste da capital paulista e receberam quase R$ 800 milhões em remuneração da prefeitura por seus serviços.
A Operação Fim da Linha foi uma continuidade da Sharks, realizada em 2020. Os órgãos da força-tarefa que a executou mostram como a atividade da facção criminosa se diversificou. Além do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-SP e da Polícia Militar, participaram a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que atua na preservação da livre concorrência.
‘Contornos de máfia’
As 1ª e 2ª Varas de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital expediram quatro mandados de prisão e 52 de busca e apreensão na Fim de Linha. Foram presos Luiz Carlos Efigênio Pacheco, dono da Tanswolff, conhecido como “Pandora”, Robson Flares Lopes Pontes, diretor da empresa, e Joelson Santos da Silva, representante de um escritório de contabilidade ligado à companhia de ônibus. Sócio da UPBus, Silvio Luis Ferreira, o “Cebola”, apontado como um dos principais chefes da facção e quarto alvo dos mandados de prisão, está foragido. Outras três pessoas foram presas em flagrante.
— O que nos preocupou muito é que a facção tem tomado contornos de máfia, cuja característica principal é a infiltração nos poderes do Estado. Não detectamos nenhuma omissão por parte do poder público municipal, mas que (os criminosos) estão disputando licitações de serviço público municipal. Já ocorreu na Itália, e agora temos visto isso acontecer no Brasil — alertou o promotor do Gaeco Lincoln Gakiya, que investiga o PCC desde os anos 2000.
A Justiça bloqueou R$ 596 milhões, com sequestro de bens de 28 empresas e 43 imóveis, segundo o promotor. Entre os bens apreendidos estão duas barras de ouro, 11 armas (sendo dois fuzis), 813 munições, joias e relógios, lanchas, R$ 161 mil em espécie e um helicóptero. À noite, o Ministério Público ofereceu denúncia contra 28 pessoas investigadas na operação.
Em entrevista à GloboNews, Gakiya afirmou que a investigação continuará e há uma suspeita de que o dinheiro do crime organizado seja usado para campanhas políticas, sobretudo em eleições municipais, como as deste ano.
— Não é incomum a gente verificar financiamento a campanhas de prefeitos, vereadores. Se chegarmos não só nessa questão de políticos envolvidos, mas de servidores públicos, a gente vai partir para punição dessas pessoas — avisou.
Nas eleições de 2020, Pandora doou R$ 75 mil ao então candidato a vereador Antonio Donato (PT). Donato enviou nota afirmando que foi procurado porque Pacheco “queria fazer doação para um candidato de oposição”, e o repasse foi feito de forma legal e registrado junto à Justiça Eleitoral.
Segundo o Ministério Público, 29 empresas estão envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro da TW e da UPBus. A investigação preliminar que levou à operação veio da Receita Federal, que identificou diversos esquemas tributários ilegais. Entre eles, formação de capital social de empresas com valores sem origem lícita, movimentações financeiras atípicas e distribuições de lucro desordenadas e sem lastro financeiro.
Dividendos sem lucro
De acordo com o MP-SP, cada uma das companhias investigadas montou uma “constelação” de empresas para tentar driblar a fiscalização. Com o capital adquirido, as controladas do PCC mostravam solidez financeira para entrar em licitações. Elas movimentaram R$ 732 milhões de 2020 a 2022, apesar de terem R$ 142 milhões em patrimônio declarado. Há casos de um imóvel pertencente ao grupo avaliado em R$ 10 milhões, mas declarado em R$ 800 mil.
— Nenhuma empresa passa por uma licitação se não tiver uma certidão negativa de débitos. Essas empresas tinham débitos tributários, e ainda assim fizeram compensações fraudulentas, com créditos inexistentes, para obter uma certidão e concorrer de maneira desleal — disse a superintendente da Receita em São Paulo, Márcia Cecília Meng.
A Receita identificou também a distribuição indevida de dividendos. Mesmo em anos com prejuízos, a UPBus e a TW pagavam somas milionárias a seus sócios. Um deles recebeu mais de R$ 14,8 milhões entre 2015 e 2022, quando a empresa a que era ligado teve um prejuízo acumulado de mais de R$ 5 milhões. Esse expediente, além de esquentar o dinheiro ilícito, impedia o pagamento de tributos pelos beneficiários, já que dividendos são isentos de imposto de renda.
A Receita identificou ainda dezenas de compra e venda de imóveis e bens de luxo dentro do esquema, como carros da Ferrari — negociações que eram feitas sob “complexas redes de holdings para conseguir disfarçar a titularidade da propriedade do bem”, segundo Meng.
A Justiça ordenou que a SPTrans assuma as linhas das companhias investigadas. O prefeito Ricardo Nunes nomeou dois dirigentse da estatal de transporte coletivo para assumir a TW e a UPBus. A intervenção será durante a investigação. A PM vai aumentar o patrulhamento nas garagens das duas companhias, para evitar interrupções no serviço. Nenhum ônibus foi retido com a operação.
Os alvos da Operação Fim da Linha
- Os principais presos: Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o “Pandora”; é dono da Transwolff, suspeita de lavar dinheiro do tráfico de drogas, de roubos e outros crimes. A experiência de Luiz Carlos em transportes vem da época das cooperativas clandestinas de vans na capital paulista. Robson Flares Lopes Pontes é dirigente da Transwolff e foi preso na garagem da empresa. Robson já havia sido processado por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo em 2016.
- O foragido: Controlador da UPBus, Silvio Luis Ferreira é conhecido como “Cebola”. Ferreira já foi flagrado com quase meia tonelada de maconha e é apontado pela polícia como um dos principais chefes do PCC em liberdade. Uma investigação feita em 2022 pelo Departamento de Prevenção e Repressão ao Narcótico (Denarc) indicou que o o controlador da empresa era “forte candidato” a assumir o posto de número 1 da facção criminosa nas ruas.
- As empresas: A Transwolff atua majoritariamente na Zona Sul da capital. De acordo com os balanços da SPTrans, estatal municipal do transporte urbano, a empresa recebeu apenas no ano passado R$ 748 milhões para operar 143 linhas de ônibus. O contrato da Transwolff com a prefeitura, firmado em 2019, tem validade de por 15 anos. A UPBus opera principalmente na Zona Leste e recebeu no ano passado quase R$ 88 milhões da prefeitura.
Fonte: O GLOBO
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