Busca por alternativa ao transporte público também estimula fabricação do veículo, que atingiu 1,57 milhão de unidades em 2023. Empresa indiana vai inaugurar unidade no país em maio
De acordo com empresas e especialistas, o que explica essa escalada na produção, que cresceu 42% entre 2019 e 2023, é uma combinação de dois fatores: a busca por uma alternativa mais acessível que o automóvel ao transporte público e a multiplicação de profissionais que trabalham com entregas ou mototáxi no país nos últimos anos.
— A moto permite sair da aglomeração no transporte público. Possibilita uma mobilidade individual mais barata, porque reúne o preço do combustível, a facilidade de deslocamento e o menor custo de estacionamento — avalia Marcos Bento, presidente da Abraciclo.
Completo de renda com app
A carioca Thamires Ramos comprou uma moto no início deste ano. A ideia era apenas complementar a renda nas horas vagas, mas ela acabou abandonando o emprego no comércio para trabalhar como motorista de aplicativo em duas rodas.
— Comprei a moto para ter uma renda extra, mas abri mão do emprego para ter flexibilidade de horário, estudar e treinar — conta ela, que também dá aulas de karatê.
As estatísticas mostram que, assim como Thamires, muitos brasileiros decidiram ganhar a vida ou fugir do ônibus ou trem lotado comprando uma moto. O número de emplacamentos em 2023 chegou a 1,58 milhão, maior nível desde 2012, quando o país registrou 1,67 milhão de motocicletas emplacadas.
39 milhões de motoqueiros e 27 milhões de motos
O contingente de motoristas habilitados, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) também está em franca expansão. Entre 2018 e 2023, o aumento foi de 20,8%, alcançando a marca de 38,8 milhões com base em dados até fevereiro deste ano.
Com o aumento da procura, o país já tem 27 milhões de motos circulando pelas ruas. Em fevereiro de 2020, antes das restrições causadas pela pandemia, o número era de 23,3 milhões.
O exército de profissionais que atuam com entregas ou como motoristas de aplicativo contribui para essa expansão. Em 2023, o IBGE calculou em 1,5 milhão o número de motoristas de apps ou entregadores em todo país.
Pesquisa realizada em 2023 pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como Uber, iFood, Zé Delivery e 99, e pelo Cebrap, informou que rodavam pelas ruas do país 385.742 entregadores sobre motocicletas, além de 1,27 milhão de motoristas de aplicativo, entre motos e carros. Dos entregadores, 45% tinham o delivery como complemento de renda.
Segundo a 99, a modalidade de viagem de aplicativo em motocicleta está disponível em 3.300 municípios do país. No ano passado, o número de corridas sobre duas rodas dobrou na capital fluminense, com 59% dos clientes sendo mulheres.
Indiana Bajaj inaugura fábrica em maio
Na esteira do crescimento do mercado, a Bajaj, empresa indiana de motocicletas, inaugura no fim de maio uma fábrica própria em Manaus, com capacidade de produção de 20 mil unidades por ano. Esse patamar, no entanto, não deve ser alcançado no primeiro ano. É o primeiro investimento da empresa fora da Índia.
O CEO da Bajaj no Brasil, Waldyr Ferreira, disse que a marca já teve interesse no Brasil no passado, mas que, na época, preferiu focar em outros mercados. A chegada recente da Bajaj em solo brasileiro nasceu de uma parceria com a brasileira Dafra, que montava os modelos trazidos ao país.
— A parceria veio para acelerar a entrada no mercado, aproveitando o parque manufatureiro para focarmos na rede de atendimento. Levaria mais dispêndio de tempo para planejar a construção da fábrica — conta Ferreira, que pretende chegar a 30 lojas até o fim do ano, com foco inicial na Região Nordeste.
Com quatro mil unidades produzidas no ano passado, a projeção é que, com a fábrica, ela alcance ao menos 12 mil unidades este ano.
Custo na ponta do lápis
Bento, presidente da Abraciclo, diz que a motocicleta tem sido cada vez mais procurada por quem busca evitar o desconforto do transporte público na hora do rush, sem um impacto mais significativo no orçamento. Além dos que buscam a moto como fonte de renda.
De acordo com a associação, esse movimento tende a ganhar fôlego neste ano. A projeção é que o número de motos fabricadas no país cresça 7% em 2024. A expectativa é alcançar o patamar de 2 milhões de unidades anuais nos próximos anos.
Um dos pontos que explicam essa demanda acelerada por motos é a relação custo-benefício. Um modelo popular tem autonomia de cerca de 40km por litro de gasolina, bem mais do que um automóvel popular. Assim, considerando um trabalhador que more a 10km do trabalho, ele gastará com combustível o equivalente a meio litro por dia para ir e voltar.
O preço médio da gasolina no país está em R$ 5,80, com base na pesquisa semanal mais recente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Logo, o custo diário desse trabalhador com combustível seria de R$ 2,90. Já uma pessoa que use transporte público para ir e voltar do trabalho todo dia, gasta R$ 9, considerando a mediana das tarifas cobradas nas capitais e no Distrito Federal, que é de R$ 4,50.
Fazendo as contas, a despesa do trabalhador que usa a moto no trajeto casa-trabalho corresponderia a 32,2% do gasto diário com passagem de ida e volta. O cálculo não leva em consideração os gastos com a manutenção do veículo ou com imposto.
Consórcio é destaque no financiamento
A compra de moto também é mais facilitada para a baixa renda. Segundo a Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac), a modalidade de consórcio contemplou quase 697 mil unidades em 2023, cerca de 44% do número de emplacamentos registrados no mesmo ano.
No ano passado, havia 2,87 milhões de cotas de consórcios em andamento, segundo a associação. O número indica alta de 10% na comparação com 2022, quando somava 2,61 milhões. É o maior patamar desde 2014.
Para Luiz Antonio Barbagallo, economista da Abac, o diferencial da modalidade é que não exige score (avaliação) de bom pagador e permite ao interessado se planejar enquanto paga as parcelas:
— A liberação da carta de crédito tem análise, mas é mais simples.
Segundo o economista, a inadimplência dos consórcios é baixa, de 3,5%, pois apenas quem compra uma motocicleta e não termina de quitar as parcelas pode ser considerado devedor.
*Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira
Fonte: O GLOBO
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