SAF cruz-maltina volta ao mercado para revenda em contexto altamente complexo. Não é uma questão apenas comercial e financeira
A situação extracampo do Vasco muda rapidamente. O plano que o grupo político de Pedrinho tinha para reassumir o protagonismo em relação à SAF funcionou apenas parcialmente — tirar os americanos da 777 Partners do controle dela por via judicial, sim; vender a empresa para a Crefisa sem muito alarde, não. José Roberto Lamacchia desistiu da transação para não prejudicar a continuidade de Leila Pereira na presidência do Palmeiras. E agora a dúvida que paira é: quem vai comprar o Vasco?
Essa conversa parte de duas premissas razoáveis. A primeira é de que não dá mais para a 777 em São Januário. A companhia tem seus problemas para lidar no exterior, inclusive judiciais, mas não apenas. Não soube trabalhar sua imagem no Brasil e fez má administração no Vasco durante um ano e meio, sobretudo no aspecto esportivo e no troca-troca constante de peças-chave da gestão. Com o agravante do chumbo grosso que vem da opinião pública e do sócio minoritário, a associação civil vascaína, é improvável imaginar uma reviravolta que a sustente no comando no longo prazo.
A segunda premissa é de que a venda dos 70% para um terceiro terá de ter a anuência da associação e dos americanos — gostem os envolvidos ou não. Por um motivo simples: se o estado de guerra permanecer instaurado, com a batalha judicial em andamento, qualquer que seja o comprador vai se ver ameaçado de perder o ativo ali na frente diante do que a Justiça brasileira decidir. Daqui até o STF, tudo pode acontecer. Em qualquer prazo.
Há interesse de investidores pelo mundo em comprar o Vasco? Óbvio que há. Logo que a Crefisa desistiu do negócio, semana passada, cartolas correram para vazar à imprensa que há três interessados. Eles precisam se firmar no poder. Pois eu converso com intermediários e investidores que conhecem outros três, seis, nove, se não forem os mesmos. O problema não é achar interesse, pois o Vasco é um clube de elite, o Brasil tem um mercado enorme no futebol, e o investimento não chega a ser tão alto assim — a 777 pede US$ 120 milhões pelos 70%, fora as obrigações contratuais. A questão é como dar segurança a esse futuro comprador.
Antes desse imbróglio vascaíno, a tese que se mantinha no mercado brasileiro era a de que investidores faziam questão de comprar a participação majoritária da SAF, mais de 51%, pois assim teriam o controle sobre o clube-empresa e a segurança de que não seriam prejudicados pelo sócio-minoritário, a associação civil. Agora já está claro que nem isto. Lei é lei, a teoria é válida, mas depois de certo ponto é um faz de conta que todo mundo precisa acreditar. Está provado que, se o indivíduo que ganha a eleição na associação quiser interferir na vida de quem tiver comprado a SAF, ele interfere.
É neste contexto altamente complexo que a SAF volta a mercado para revenda. Complexo, pois não é uma questão apenas comercial e financeira. A 777 precisa topar o negócio porque detém o ativo e pode empatar a venda por via judicial. Deveria haver um cessar-fogo, para que compradores não sejam afugentados e mais amedrontados do que já estão. E, seja lá quem for, este futuro proprietário do futebol vascaíno precisa ter a noção de que precisará montar uma governança que inclua a associação na tomada de decisão. Não adiantará muito ter controle, participação majoritária e mil cláusulas se não souber jogar o jogo do futebol brasileiro.
Fonte: O GLOBO
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