Executiva anuncia investimentos e diz que há espaço para aumentar o uso de produtos para pele no país, onde a rotina de beleza é de apenas três etapas contra 11 na Ásia

Primeira mulher a comandar a Nivea no Brasil, Ana Bógus quer aumentar a presença da companhia de cosméticos no país, segundo maior mercado no mundo, atrás apenas da Alemanha, onde a marca do grupo Beiersdorf nasceu.

Em entrevista ao GLOBO, a executiva que assumiu o cargo em janeiro diz querer avançar no mercado de cuidados para a pele. Internamente, busca maior diversidade por meio de iniciativas como a reserva de metade das vagas de estágio para pessoas negras. Ela revela ainda planos de novos investimentos na fábrica da companhia em São Paulo.

A senhora é a primeira mulher a comandar a Nivea no Brasil. Como é a agenda de diversidade na empresa?

Embora eu tenha chegado em janeiro como a primeira mulher presidente da Nivea no Brasil, a companhia tem dezenas de lideranças femininas em diversos países, o que mostra que preza pela equidade de gênero. A nossa agenda de diversidade é robusta.

Em 2023, conquistamos a meta global de paridade de gênero com um ano e meio de antecedência. No mundo, as mulheres ocupam 50,1% das posições de gerência e diretoria (da multinacional). Já o conselho executivo global é composto por 43% de mulheres. No Brasil, em liderança, esse número é de 57% e, quando consideramos o nosso quadro geral, é de 63%.

Falando ainda em diversidade, com olhar para raça, a Beiersdorf tem 25% de pessoas negras, com meta de 30% até final de 2025. A diversidade gera ainda mais potência e inovação, promovendo um ambiente colaborativo e pautado no respeito mútuo.

Estamos relançando o programa de estágio com 20 vagas, sendo metade para pessoas negras. Acredito muito em trazer essa geração nova para estar aqui. São nossos consumidores também e vão trazer uma voz e visão relevantes.

O Brasil é um motor de talentos para companhia. Temos 20 brasileiros trabalhando fora do país. Iniciamos um processo de mentoria também, com sessões mensais. Teremos o Café da Ana a cada 15 dias com os níveis de gerência média e de analista para abrir esse diálogo.

Qual é a importância do Brasil para a companhia?

Fazemos 50 anos no Brasil em 2025. O Brasil faz parte de uma área chamada de mercados emergentes, que cuida de todo o mundo exceto Europa e EUA. O país é o nosso segundo maior mercado no mundo, atrás da Alemanha, tem uma relevância muito forte.

Estamos em quase 130 países. A área de mercados emergentes vem crescendo com duplo dígito nos últimos anos, e a América Latina é um motor de crescimento. No mundo, no primeiro trimestre, a empresa teve seu melhor resultado na história, com 12,6% de crescimento global.

Quais são os planos de crescimento no Brasil?

Temos uma fábrica em Itatiba (em São Paulo), que produz 90% de tudo que vai para o mercado brasileiro. Entre 2018 e 2020, fizemos um investimento de R$ 300 milhões para produzir desodorante aerossol para o Brasil. Em Itatiba, temos um centro de inovação de desodorantes para o mundo, já que somos o segundo maior mercado desse produto no mundo.

A célula de inovação fica aqui. Em 2022, investimos R$ 50 milhões para produzir as embalagens e os hidratantes faciais (potinhos). Nesse momento estamos expandindo a capacidade de produção de emulsão (mistura usada na produção de outros itens) com um investimento de R$ 90 milhões.

O grande desafio e oportunidade no Brasil é fazer o crescimento de skin care (cuidados com a pele) no Brasil. Trabalhamos em sete categorias no Brasil, como desodorante, sabonete, facial, corporal, hidratante facial, filtro solar, além da categoria masculina.

Pela quantidade de banhos que tomamos, a gente tem a oportunidade de aumentar a participação nos lares com produtos de cuidados com a pele, de corpo, face ou de lábio. Isso está bastante em linha com a expansão de capacidade de emulsão.

Temos uma participação em lares menor que 6% nessas categorias, então tem um potencial enorme. Quando a gente olha a mulher asiática, ela tem o costume de usar onze camadas em cuidado para a pele no dia, em média. A brasileira está chegando a três etapas.

Por que ainda é baixa, já que no Brasil há muita preocupação com beleza?

O Brasil é o quarto maior mercado do mundo em cuidado pessoal, atrás de EUA, Japão e China. A brasileira é super vaidosa, e o brasileiro também. Mas, no Brasil, as pessoas querem uma solução imediata. A gente gosta de tudo para ontem, e não tem a educação de prevenção. Não sei se é um pouco pela história do nosso país, de ter essa flexibilidade de nos adaptarmos à realidade das crises que aconteceram no país.

E quando a gente traz isso para o mercado de beleza, aterrissa no imediatismo e não em prevenção. Somos o mercado que mais tem botox por habitante. Mas é uma oportunidade também para empresas como a nossa de buscar educar a população para prevenir e realmente utilizar os produtos desde os seus 25 anos e não aos 50.

E como fazer isso?

O brasileiro quer o produto multiúso, mas que atenda às suas necessidades específicas. Lançamos um produto com um ativo chamado Luminous 630 (que recriou em laboratório a enzima humana que produz a melanina).

É uma fórmula para reduzir marcas na pele seja por motivos emocionais ou por conta do sol e, junto, a gente traz um anti-idade. No segundo semestre, estamos trazendo para o Brasil a versão para o corpo.

Há ainda protetor solar com cor, por exemplo, e vamos seguir com inovações. A estratégia é realmente conseguir consolidar essas três etapas: limpeza, hidratação e proteção solar da pele, que ainda é algo novo. No Brasil, ainda se acha que estar queimado (de sol) é sinal de saúde. E também precisamos levar o tema de proteção solar para o corpo não só na praia, mas no dia a dia.

Mas depois da pandemia houve uma mudança no comportamento do consumidor...

Viu uma mudança na categoria, com aceleração da cesta de beleza e cuidado para pele, que cresce entre 25% e 35% todo ano no país. As pessoas viram o benefício desse investimento de tempo no cuidado com a pele. Tem ainda a linha masculina, que ainda é muito pouco representativa no Brasil. De acordo com pesquisas, 72% dos brasileiros declaram cuidar da beleza em 2024, mais que os 34% de 2018. É impressionante a evolução.

O Brasil tem atravessado mais ondas de calor intenso. Como isso altera a estratégia de uma empresa de cosméticos?

Vemos o hábito de uso mudando frente ao momento de ondas de calor que acontecem no Brasil. Um exemplo é o mix de formato de desodorantes. O consumidor usa o aerossol em casa e coloca na bolsa o roll on ou o stick, que é uma embalagem menor e daí você repassa ao longo do dia para garantir que está tudo bem.

A presença de diversos formatos é relevante. Essa onda de calor só reforça a estratégia de prevenção. Quando a gente olha protetor solar facial, não há mais concentração de vendas no verão. A curva é flat o ano inteiro.

O Brasil já é reconhecido como um mercado de altos FPS (fator de proteção solar). Aqui tem os FPS acima de 70. E toda vez que o nosso hub de inovação de solar fala em alguma inovação já pensa para o Brasil em um FPS mais forte.

O grupo pretende acelerar o investimento em outras marcas além da Nivea?

A gente quer investir no Brasil, já que é muito relevante para companhia. O investimento não é só em fábrica. É em desenvolvimento de marca, em inovação e talento. A Beiersdorf tem ainda a marca Eucerin, de dermocosméticos. Aqui as duas marcas eram separadas, agora vamos olhar de forma integrada.

A eficiência e o potencial de crescimento estarão, por exemplo, na força de vendas, com mais de 400 pessoas repondo produtos nas gôndolas, que até então só cuidavam de Nivea. E eles vão agora cuidar de Eucerin, que tem um potencial grande no Brasil. A Eucerin é 100% importada e não temos planos a curto prazo de produzir aqui.

De que forma juros altos e inflação, sempre uma preocupação, mexem com a estratégia da empresa?

Inflação e juros nominais afetam o poder de compra. Quando a gente vê a inflação de produtos básicos muito alta, como alimentação ou limpeza básica do lar, as categorias que não são de consumo básico, como higiene e limpeza, por exemplo, sofrem diretamente. Vimos isso logo após a pandemia, quando teve uma inflação alimentar muito forte.

Vemos isso muito menos agora, embora a inflação esteja mais controlada, mas acima da meta. Por isso, a gente se preocupa em entregar produtos ao mercado com custo-benefício e com preços diferentes, desde o básico até o mais premium.

A Nivea tem um dos produtos mais conhecidos do setor em todo o mundo, o creme da lata azul. Como manter esse produto sempre atual?

A latinha azul foi criada em 1911 e o primeiro produto da empresa, e a fórmula permanece a mesma. A lata atual é a mesma desde 1959. É o DNA da marca. É um dos produtos mais vendidos no Brasil e no mundo. E ultrapassa gerações.

É a nossa fórmula da Coca-Cola. É multiúso, para corpo e rosto. Temos usado esse produto para comunicar nossa brasilidade, com edições regionais, e falar de diversidade (com latas temáticas).


Fonte: O GLOBO