Reportagem analisou informações de oito vias da cidade e encontrou pouca variação no número de acidentes; especialistas afirmam que resultado do programa ainda é incerto

Tratada como marca da gestão Ricardo Nunes (MDB) e elogiada até pelo adversário Guilherme Boulos (PSOL), a Faixa Azul é um projeto da prefeitura de São Paulo que cria uma pista exclusiva para motos em avenidas movimentadas da cidade. Iniciada em 2022, teve rápida expansão para se tornar uma bandeira eleitoral e deve chegar a 200 quilômetros no fim do ano. Mas, segundo levantamento feito do GLOBO baseado em dados do Infosiga (um sistema do Detran-SP), a nova faixa ainda não diminuiu o número de acidentes em quase nenhuma das oito vias analisadas — a exceção é a avenida Faria Lima.

A ideia da Faixa Azul parece lógica: criar um espaço mais protegido para as motos, que obrigue os carros a terem mais atenção ao mudar de faixa. Após um ano inicial de teste na avenida dos Bandeirantes e na 23 de Maio, a prefeitura alardeou que não houve mortes nas vias — e apostou na ideia. Em 2023, Nunes chegou a demitir o chefe da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) após ele perder o prazo para aprovar, junto à Secretaria Nacional de Trânsito, a expansão do programa. Especialistas, no entanto, concordam que faltam dados que comprovem a eficácia da proposta.

Segundo a campanha de Nunes, a Faixa Azul é uma das iniciativas mais associadas ao nome do prefeito, assim como a Tarifa Zero de ônibus aos domingos e o programa de recapeamento. Em entrevista para O GLOBO o pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL) disse que continuaria o projeto.

Até o momento, existem 122 quilômetros da faixa exclusiva, em vias como a Faria Lima, 23 de Maio e Sumaré. Em maio, a prefeitura anunciou um total de quatro mortes de motociclistas em vias com a Faixa Azul desde o início da implementação do programa. O número, no entanto, chega a sete, segundo dados encontrados pela reportagem e depois confirmados ao GLOBO pela gestão Nunes (veja os detalhes de cada óbito e o que diz a prefeitura sobre cada um deles ao fim da matéria).

Além disso, o número de sinistros envolvendo motocicletas e outros tipos de veículos em seis vias com Faixa Azul segue praticamente estável nos períodos de seis meses a um ano antes e depois da implementação da iniciativa (veja no gráfico). A reportagem analisou apenas as avenidas que completaram ao menos seis meses com a ferramenta e onde a iniciativa está presente em boa parte de ao menos um dos sentidos da avenida. Quando a análise foi feita, em maio, eram 17 vias na cidade com a faixa exclusiva.

Avenidas como Prestes Maia, Miguel Yunes, Tiradentes, Sumaré, Bandeirantes e Afonso D'Escragnolle Taunay mantiveram patamares praticamente estáveis na comparação dos períodos.

Já a 23 de Maio teve alta de 11% no número de batidas com motos na comparação entre um ano antes e um ano depois, e alta de 12% no número geral de sinistros, incluindo os que envolvem também outros veículos, como carros e caminhões. A Faria Lima, por outro lado, foi a única das analisadas que teve diminuição significativa entre ocorrências, com queda de 45% no número de acidentes com motos e de 18% nas batidas em geral.

A prefeitura de São Paulo, por meio de nota, afirmou para a reportagem que, diante de um cenário de aumento de acidentes e óbitos no estado, “a estabilidade nas vias com Faixa Azul na cidade demonstra um efeito positivo do programa”.

"Importante destacar que houve um aumento da frota de motos na cidade nos últimos dois anos, aproximadamente 200 mil motos a mais, ou seja, mesmo com mais motociclistas circulando, os números se mantiveram estáveis", acrescenta o texto.

A gestão Nunes afirma também que em avenidas como a Bandeirantes, circular na Faixa Azul é 18 vezes mais seguro para os motociclistas do que circular fora dela. Para calcular a métrica, a prefeitura utiliza a chamada taxa de severidade, que pondera o número de acidentes pelo volume de motos que trafegam dentro e fora da faixa.

A CET encaminha trimestralmente relatórios sobre o projeto para a Secretaria Nacional de Trânsito, a Senatran, já que a Faixa Azul é um projeto piloto e precisa de acompanhamento. Segundo a prefeitura, nos relatórios foi possível constatar a “harmonização da convivência entre motociclistas e motoristas [...], mais preocupação entre os motoristas em sinalizar as mudanças de faixa [...] e mais respeito dos motociclistas em relação à mudança de faixa dos motoristas”.

Diego Dias Lemos, arquiteto e urbanista que é coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global em São Paulo, aponta fragilidades na maneira como a prefeitura tem medido os resultados do programa.

— A prefeitura tem comparado dados que os agentes da CET coletam in loco, olhando se o sinistro ocorreu ou não dentro da faixa. É um projeto piloto que ainda não tem resultados comprovados, precisamos de mais dados para aferir melhor o que está acontecendo — afirma Diego Dias Lemos.

A reportagem teve acesso aos relatórios encaminhados pela CET para a Senatran. Como disse Lemos, a gestão municipal têm usado dados que são coletados pela central de operações da CET no momento das ocorrências, que, como aponta o próprio órgão nos relatórios, não possuem uma série histórica robusta e por vezes não mostram o que ocorria nas vias antes da Faixa Azul.

— A Faixa Azul está sendo colocada como uma grande solução. Mas a gente precisa de políticas públicas baseadas em evidências, o que esse projeto ainda não tem — afirma Lemos.

— Ainda é muito cedo para dizer se a Faixa Azul teve resultados positivos ou negativos — diz Pedro Borges, head de mobilidade segura do Observatório Nacional de Segurança Viária. Ele aponta que a iniciativa é uma tentativa importante para a segurança dos motociclistas, mas cobra dados mais transparentes.

— Quando pensamos no diagnóstico de uma intervenção dessa magnitude, precisamos entender também o que acontece em vias que não estão com a Faixa Azul e comparar com as que têm. Não podemos usar ela como uma bala de prata, tudo o que se sabe é muito preliminar — afirma Borges.

— O benefício do programa pode até parecer óbvio, mas ele tem que ser comprovado porque a iniciativa não está instituída no Código de Trânsito Brasileiro — diz Henrique Diniz, professor da escola de engenharia da universidade Mackenzie, que defende que o programa é necessário para organizar o trânsito da cidade.

A Faixa Azul: projeto acelera em ano eleitoral, mas dados não mostram queda nos acidentes — Foto: Edilson Dantas

Gilberto Gil, presidente do sindicato dos motoboys e motoentregadores de São Paulo, afirma que na categoria a aprovação da iniciativa é quase uma unanimidade e torce pela expansão do projeto.

— A Faixa leva mais conforto e segurança para os motociclistas, desde que sejam observados os limites de velocidade. Não adianta ter 20 mil quilômetros de Faixa Azul sem uso consciente — pontua.

A questão do "respeito ao limite de velocidade" pode justamente estar por trás da aparente resistência dos índices de sinistros caírem. Um motoboy, de passagem pela Faria Lima, conversou com a reportagem e opinou: "acham que a Faixa Azul é mais segura, mas é ilusão, porque você acha que está seguro e acaba andando mais rápido, aí acontecem os acidentes".

— Com a faixa exclusiva a gente tem que considerar também a hipótese de que aquele usuário pode desempenhar uma velocidade muito maior, principalmente levando em conta que muitos motociclistas estão ali trabalhando. Isso precisa estar nas análises sobre a iniciativa — completa Lemos.

As sete mortes registradas até o momento em vias com a Faixa Azul, com informações da CET:
  • 04/12/2023 - Avenida Miguel Yunes. Automóvel parado em semáforo é atingido por moto que vinha em alta velocidade pela Faixa Azul e perdeu o controle. Na sequência, moto atinge poste. Motociclista morreu no hospital.
  • 13/12/2023 - Avenida Luiz Dumont Villares, sentido bairro. Trinta motociclistas trafegam em alta velocidade efetuando manobras arriscadas e ocorre uma colisão envolvendo diversas motos. Um dos motociclistas morreu no hospital. Existência ou não da Faixa Azul não teria influência no óbito.
  • 23/12/2023 - Avenida dos Bandeirantes, sentido marginal. Motociclista avança em sinal vermelho fugindo de assalto e garupa morre após colisão. CET afirmou que existência ou não da Faixa Azul não teve influência na morte.
  • 08/02/2024 - Avenida dos Bandeirantes, sentido marginal. Acidente com vítima que foi socorrida e veio ao óbito em março.
  • 09/03/2024 - Avenida do Estado, sentido Centro. Duas motos se envolvem em colisão. Um dos pilotos bate na lateral direita da outra moto e é arremessado, bate a cabeça na via e morre no hospital. Não há informações precisas se a colisão ocorreu na Faixa Azul.
  • 27/3/2024 - Avenida 23 de Maio, sentido aeroporto. Motociclista colide com traseira de caminhão, por volta das 2h da manhã. Vítima é socorrida com vida, mas morreu no hospital.
  • 17/04/2024 - Avenida dos Bandeirantes, 14h, moto colide em dois carros e garupa morre no local.

Fonte: O GLOBO