Medidas anunciadas pelo presidente poderão contemplar mais de meio milhão de pessoas sem situação regularizada no país

Em busca do "sonho americano", Giovana (sobrenome sob sigilo) deixou tudo o que tinha em Santa Teresa, no Espírito Santo, e atravessou a fronteira mexicana com os Estados Unidos ilegalmente em 2008, quatro anos após ter sido deportada pela primeira vez. De volta ao país, estabeleceu raízes e casou-se há oito anos com um americano, com quem teve três filhos — período todo sem documentação legal. Agora, com as mudanças anunciadas pelo governo de Joe Biden sobre proteções a cônjuges de americanos que vivem ilegalmente nos EUA, a brasileira de 40 anos finalmente vislumbra a possibilidade de regularizar sua situação no país que chama de lar há 16 anos.

— Este dia é uma grande vitória pra todos nós, estou muito emotiva. É histórico para nós que somos casados com cidadãos [americanos]. Vou poder pedir o perdão [ao governo dos EUA, por entrar ilegalmente] sem precisar ir ao Brasil aguardar a decisão — comemorou a brasileira em entrevista ao GLOBO, acrescentando que o que a impedia de ir atrás do tão almejado green card (o visto de residência permanente que abre as portas para o pedido de cidadania no país) era o medo de ser separada de sua família e a incerteza de conseguir formalizar sua situação.

Antes da mudança anunciada na terça-feira pelo governo Biden, o processamento do pedido (já complexo por si só) dependia do retorno do imigrante irregular ao seu país de origem, onde deveria esperar a resposta sobre o documento. O problema é que essa era uma etapa que poderia durar meses, além da possibilidade de ter o pedido negado por conta de eventuais inadmissibilidades no processo (no caso de Giovana, seu histórico de deportação anterior).

Com as mudanças anunciadas nesta terça-feira, no entanto, os requerentes poderão continuar no país enquanto buscam um status legal. Sob a nova política, cerca de 500 mil cônjuges, além de enteados (estimados em 50 mil) de cidadãos americanos, serão protegidos da deportação e terão oportunidades de obter cidadania e vistos de trabalho. Para se qualificar, os cônjuges devem demonstrar residência contínua de 10 anos ou mais no país e ter se casado antes de 17 de junho deste ano, além de não ter antecedentes criminais.

— Eu vim atrás do sonho da América, de construir um vida aqui neste país. Só faltava o documento para a gente desfrutar mais da nossa vida — conta a brasileira, que é dona de uma empresa de limpeza doméstica em Woburn, Massachusetts. — Hoje eu estou realizada como mulher, esposa e mãe, terei meu sonho americano concretizado.

Para Giovana, a nova política representa não apenas um alívio em termos legais, mas também emocional. Além do medo contínuo de ser apanhada e deportada, uma das maiores dificuldades de ser uma imigrante sem documentos é a saudade da família que deixou no Brasil.

— A maior dor é a saudade do abraço da mãe, do pai, dos irmãos. É muito complicado morar em um país e não poder sair dele — conta, com a voz embargada, a brasileira, relatando que "não consegue nem imaginar" como será o reencontro com seus familiares quando puder viajar. — Muitas pessoas me perguntam "por que você não volta?", mas você constrói uma vida em outro país, tem laços, filhos... Dói muito.

Há cerca de 1,1 milhão de imigrantes em situação irregular casados ​​com cidadãos americanos nos Estados Unidos atualmente, de acordo com o FWD.us, grupo de defesa da imigração, embora nem todos sejam elegíveis para o programa.

Já em relação ao total de brasileiros em situação irregular em solo americano, estima-se que há cerca de 230 mil, de acordo com o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) — o que põe o Brasil na oitava posição no ranking de nacionalidades com o maior número de imigrantes não autorizados no país.

A medida ainda não entrou em vigor, mas a previsão, segundo a Casa Branca, é que o programa seja iniciado até o fim do verão (no Hemisfério Norte), antes das eleições de novembro.

— Eu estou muito feliz. Estamos todos muito felizes, meu marido comemorou muito. Sei que o processo não vai ser tão simples, mas a sensação é de gratidão a Deus e ao presidente Biden por essa grande vitória — diz Giovana.


Fonte: O GLOBO