Deputado réu no STF pelo assassinato da vereadora do PSOL é alvo de pedido de cassação na Casa

O processo que pode levar à cassação de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo assassinato de Marielle Franco (PSOL), na Câmara dos Deputados mal entrou na decisiva fase de instrução probatória e já enfrenta seu maior obstáculo até o momento: a fuga de testemunhas elencadas no caso prestar depoimento.

Depois de uma reunião prevista para a última quinta-feira ter sido cancelada porque os investigadores do caso Marielle na Polícia Federal não atenderam ao convite da relatora, a deputada Jack Rocha (PT-ES), a sessão prevista para esta terça também foi cancelada porque as testemunhas convidadas informaram ao conselho que não compareceriam. Como se trata de um convite e não de uma convocação, a presença não é obrigatória.

Recusaram o convite para depor nesta terça o atual procurador-geral da República, Paulo Gonet, a ex-PGR Raquel Dodge, que denunciou Domingos Brazão em 2019 por obstrução da investigação e o apontou como “arquiteto” do homicídio, e até o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que além de ser do mesmo partido de Marielle foi seu colega na Câmara Municipal do Rio, onde também conviveu com Chiquinho Brazão.

Com isso, são seis as testemunhas que deixaram de ir ao conselho, das 14 que foram convocadas. Na semana passada, faltaram o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Leandro Almada, e os delegados Guilhermo Catramby e Jaime Nunes. Com isso, a sessão extraordinária prevista para a última quarta-feira (18) para ouvi-los também foi cancelada.

Integrantes do Conselho de Ética dizem internamente que o processo virou "brasa viva" para os envolvidos. Nos bastidores, as testemunhas apontam diversas razões para não comparecer – da inconveniência de prestar informações que possam ser usadas pela defesa dos acusados no processo do STF ao medo de represálias.

No caso da PF e de Gonet, por exemplo, fontes a par do assunto disseram que a decisão se deve à avaliação de que um eventual depoimento daria à defesa de Chiquinho dados estratégicos. "Só exporia os investigadores num julgamento que é político. Todo mundo que está lá já se decidiu", disse uma dessas fontes.

As oito testemunhas que ainda estão na fila dos depoimentos foram arroladas pela defesa de Brazão – como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que de acordo com nossa apuração também deve faltar, ou Jorge Felippe (PP), presidente da Câmara de Vereadores da cidade na ocasião do crime.

Foram convocados ainda o vereador Willian Coelho (DC), o vice-presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio (TCM-Rio) Thiago K. Ribeiro; o deputado federal Reimont (PT) e o servidor da Câmara de Vereadores Marcos Rodrigues Martins.

O ex-policial militar Elcio de Queiroz, que conduzia o carro usado por Ronnie Lessa para assassinar Marielle e também firmou delação premiada junto à PF, e o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que segundo Lessa monitorou Marielle e ajudou na escolha do local do crime, estão na lista. Eles estão presos desde 2019 em penitenciárias federais e provavelmente também não comparecerão.

Além do medo de represália, para as testemunhas de Brazão vai pesar ainda o cálculo político – não interessa a Eduardo Paes, por exemplo, depor como testemunha de Brazão, faltando quatro meses para as eleições municipais.

É justamente pelo caráter politicamente sensível da discussão que a falta de testemunhas preocupa a relatora do processo. Sem depoimentos, ela será obrigada a embasar seu parecer final somente no relatório da Polícia Federal (PF) e na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

As duas instituições acusaram de serem mandantes do crime o deputado Chiquinho, seu irmão Domingos Brazão, que é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa como mandantes do crime. A investigação foi ancorada na delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle, à PF.

O fato de a relatora se basear nesse material para fazer o relatório final não é em si um problema, mas pode vir a ser usado pelos aliados de Brazão para tentar desqualificar o processo de cassação.

Por isso, a deputada Jack Rocha tenta uma aproximação com promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que lidam diretamente com a apuração do assassinato da vereadora, morta em 2018 junto de seu motorista, Anderson Gomes. Até agora, porém, não houve nenhum avanço nas conversas.

Nesse tipo de processo, o objetivo da fase de instrução probatória é não só analisar as provas que já foram recolhidas, mas também buscar elementos novos para calcar a decisão de cassá-lo ou absolvê-lo, além de garantir o amplo direito de defesa.

Sem as oitivas e possivelmente restrita aos capítulos da investigação que o Supremo Tribunal Federal (STF) já tornou públicos, a relatora tem muito pouco espaço para avançar no período de instrução probatória, que começou a contar no último dia 11 e vai, em tese, até o dia 5 de agosto.

Isso já no clima de marcha lenta que, conforme contamos na última sexta-feira, tem sido a marca do processo contra Brazão no Conselho de Ética.

Muita coisa pode mudar até agosto – inclusive a disposição de alguns dos convidados a depor sobre um crime sensível de repercussão internacional. Mas, pela dificuldade em levá-los a Brasília, já se vê o quão desafiante se tornou esse caso para o Conselho de Ética da Câmara.


Fonte: O GLOBO