Estudo inédito da CNC prevê faturamento de R$ 14,06 bilhões. Promoções se multiplicam nas vitrines
Sai o casacão e entra o corta vento. O calor atípico no inverno — mesmo com a chegada de chuva, a perspectiva é que o frio, se chegar, venha só em agosto — fará o varejo de vestuário e calçados amargar uma retração de 4,1% nas vendas este ano. Essa é a projeção da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que reúne as empresas do setor, em estudo antecipado para o GLOBO.
O setor deve faturar R$ 14,06 bilhões nos meses de maio e junho, no menor patamar desde 2021. Segundo Fábio Bentes, economista sênior da CNC, as temperaturas mais altas têm atrapalhado as vendas da coleção de inverno, que chegou às vitrines em abril. Mesmo com um cenário econômico mais favorável, com emprego em alta e inflação sob controle, o calor prejudica as vendas.
E é justamente no inverno que o setor costuma ter uma margem de lucro maior, já que as vendas são de peças mais volumosas, como casacos, jaquetas e botas, que por isso têm custo médio mais alto.
— Esse inverno atípico, com essa tendência de temperaturas mais altas, está neutralizando a desaceleração dos preços e a queda dos juros. O consumidor está pouco confiante no inverno deste ano por conta das temperaturas acima da média.
À espera da frente fria
Nas vitrines de shoppings e lojas de rua, botas dão lugar a sandálias, camisetas de manga curta e croppeds ainda são destaque, e os cartazes de promoções antecipadas de inverno se multiplicam. Mesmo com as ofertas, o autônomo Sidney Roberto, de 40 anos, não pretende comprar peças novas para o guarda-roupa este ano:
— Eu vou usar mais os casacos que já tenho em casa. Não compensa ficar comprando porque em um dia a temperatura pode até estar mais baixa, mas no outro já volta o calorão.
Na Saara, tradicional região de comércio popular no Centro do Rio, a vendedora Bruna Cavalcante, de 28 anos, conta que os clientes têm optado por agasalhos mais finos para o dia a dia.
— A gente teve que diminuir os preços dos casacos maiores e mais grossos porque realmente não estavam saindo. Os modelos que estavam antes por R$200 ou R$ 250 tiveram que passar para R$ 180 e até R$150.
A lojista Luiza Campos, de 62 anos, é dona há dez anos de uma loja de roupas na Rua da Alfândega e diz que o movimento está mais fraco neste ano. Ela está à espera da chegada de frentes frias:
— O jeito é ir mudando o mostruário e abaixando os preços para atrair o cliente, porque senão não vende nada de casaco, cachecol, meia.
Mas, apesar da expectativa, relatório do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta que o inverno será marcado por temperaturas mais altas. Foi só em maio, porém, que este cenário começou a se desenhar de modo mais claro, conta Wanderson Luiz Silva, meteorologista e professor da UFRJ.
— Sem atuação de frentes frias, teremos sol e temperaturas mais elevadas que a média, especialmente na porção central do país. A expectativa é de frio um pouco mais expressivo em agosto.
As varejistas de moda costumam encomendar as peças de outono e inverno no início do ano. Por isso, foi difícil se planejar para a estação atípica, dizFernando Siqueira, head de análise da Guide Investimentos. Ele lembra que, no primeiro trimestre, a previsão era de que a taxa básica de juros, a Selic, fosse cair mais este ano.
— As empresas estão sofrendo não só pelas temperaturas mais altas, mas também por uma taxa de juro mais alta do que o esperado, com a manutenção da Selic a 10,5% (na semana passada, o Banco Central parou de reduzir os juros, após sete cortes seguidos) — comenta. — Essas varejistas têm tudo para ter um desempenho mais fraco.
Sandálias na vitrine e 40% de desconto na coleção de outono e inverno: calor prejudica as vendas — Foto: Carolina Nalin/Agência O Globo
Em abril, o CEO da Lojas Renner, Fabio Faccio, disse que o calor extremo deveria afetar o crescimento de volume de vendas do segundo trimestre. Por outro lado, destacou que os estoques estavam ajustados. Procurada, a Renner informou que se limita a falar sobre o tema nas conferências de resultado com investidores.
Francislei Donatti, vice-presidente comercial da C&A, destacou em videoconferência com analistas do mercado que o inverno mais quente dos últimos anos fez a varejista se preparar para a estação em 2024 com peças mais leves, como parcas e corta ventos: “Diminuímos bastante nossas mercadorias mais pesadas de casacos e jaquetas. A gente também entrou nas nossas lojas com produtos de inverno um mês mais tarde do que o ano passado. E isso proporcionou um maior equilíbrio dos nossos planos de venda no segundo e terceiro trimestre”.
A C&A informou que tem desenvolvido coleções mais versáteis e atemporais que podem ser usadas em diferentes ocasiões e climas. Outra estratégia é aprimorar as ferramentas de previsões de demanda para tornar mais eficiente a distribuição dos produtos aos consumidores.
Para algumas redes, porém, o calor no inverno é uma vantagem. A Grendene, dona de marcas como Melissa, Zaxy, Rider e Ipanema, que trabalha apenas com calçados abertos, afirma que as vendas de chinelos, sandálias e sapatilhas têm sido beneficiadas pelas altas temperaturas.
— A Grendene tem sido impactada positivamente pelo calor fora de época — diz Alceu Albuquerque, diretor financeiro e de Relações com Investidores da Grendene.
Melhor ficar no zero a zero
João Augusto Frota, estrategista da Senso Corretora, reforça que, muito antes do fim do inverno, os clientes devem encontrar cada vez mais promoções nos corredores dos shoppings:
— É melhor vender praticamente sem lucro, no zero a zero, para cobrir custo de colaboradores, aluguéis de lojas, do que ficar no sufoco.
Uma das alternativas apontadas por Denis Medina, economista da FAC-SP, é guardar o estoque para vendê-lo no próximo ano. A medida, no entanto, pode ter desvantagens: além de ocupar espaço físico, as peças podem sair de moda. A outra opção é antecipar as liquidações para gerar caixa, pelo menos, para as despesas operacionais.
Luiz Augusto Ildefonso, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), aponta que casacos de lã, cachecóis e calças têm custo mais elevado não só pelo preço alto da matéria prima, que encarece o produto, mas pelo maior peso, que encarece o frete e ainda ocupa mais espaço. Assim, não enxerga outra saída para as varejistas que apostaram nesses itens que não sejam as liquidações.
Fonte: O GLOBO
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