Placar continua em 5 a 3 a favor da descriminalização; avaliação será retomada na próxima terça-feira

O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli abriu na quinta-feira uma terceira corrente no julgamento que analisa a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Com isso, o placar continua de cinco votos a três pela descriminalização, além do voto “meio-termo” de Toffoli. Os nove ministros que já votaram, contudo, consideram que deve haver uma quantidade da droga que faça a pessoa ser presumida como usuária, e não traficante.

O julgamento avalia a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que considera crime “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Até agora, cinco ministros tinham considerado inconstitucional esse artigo, e votado pela descriminalização, e outros três votaram por manter o texto. Agora, Toffoli também considerou o artigo constitucional. Mas afirmou avaliar que ele já contém uma descriminalização para o usuário. Por isso, afirmou que foi uma terceira posição.

— Eu abri uma nova corrente. O artigo 28 é constitucional, ele é aplicável ao usuário, mas ele não tem natureza penal, tem natureza administrativa. E (o voto) mantém a Justiça criminal como julgadora — explicou Toffoli, após a sessão.

O ministro afirmou que, ao fim do julgamento, os integrantes da Corte devem adequar suas posições para uma proposição mais unificada.

Após o voto de Toffoli, o julgamento foi interrompido e será retomado na terça-feira. Ainda faltam os votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Na discussão sobre a quantidade que diferencie usuário e traficante, os ministros que votaram até agora divergem sobre qual seria essa quantidade e quem deveria fazer essa definição.

Toffoli votou para se fazer um apelo para que Executivo e Legislativo, em 18 meses, regulamentem pontos da lei, incluindo o critério que diferencie usuário e traficante. E sugeriu que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) seja responsável pelo último ponto.

— A Anvisa pode fazer isso, com base em dados científicos. Não precisaríamos estar aqui a discutir isso. É a Anvisa que estabelece as dosagens dos medicamentos, e as drogas também, lícitas ou ilícitas.

Até agora, cinco ministros votaram pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Foram contrários Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

Gilmar, Barroso, Moraes e Weber defenderam que o critério que faça alguém ser presumido como usuário seja de 60 gramas ou seis plantas fêmeas. Zanin e Marques apoiaram 25 gramas. Fachin e Mendonça consideram que a definição cabe ao Congresso. Mendonça sugeriu um critério provisório, de 10 gramas, até que os parlamentares decidam.

CNBB preocupada

No início do julgamento, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, reforçou que a Corte não está legalizando a maconha, mas discutindo se a sanção ao porte deve ser penal ou administrativa:

— O Supremo Tribunal Federal considera, tal como a legislação em vigor, que o consumo de drogas, o porte de drogas, mesmo para consumo pessoal, é um ato ilícito. O Supremo não está legalizando as drogas, mantém a droga como um comportamento ilícito.

Barroso contou ter sido procurado na manhã de quinta pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime Spengler, que teria demonstrado preocupação com o julgamento. O presidente do STF afirmou que o receio seria baseado em uma “desinformação”.

Mas o ministro André Mendonça rebateu o pronunciamento de Barroso. Mendonça disse que não seria desinformação do presidente da CNBB, porque ele também teria a mesma preocupação, e criticou a possibilidade de o STF “passar por cima” do Legislativo.

— Eu não acho que ele tem informação incorreta, não. Eu acho que a informação é essa mesma. A grande verdade é que nós estamos passando por cima do legislador, caso essa votação prevaleça com a maioria que hoje está estabelecida — disse Mendonça.

Alexandre de Moraes afirmou que, com a Lei de Drogas, de 2006, o usuário não pode ser preso. Mas, na prática, quem antes era considerado usuário passou a ser tratado como traficante.

— Como o usuário não pode mais ser punido, o que antes polícia, Ministério Público e Judiciário entendiam como uso passou a ser tipificado como crime. Antes, se alguém era pego com três gramas de maconha era usuário. A partir da alteração legislativa, passou a ser tipificado como traficante — apontou.

O ministro Nunes Marques afirmou que a definição como crime é importante para impedir o consumo:

— O fato de o legislador ter eleito o crime, ainda que as sanções não sejam típicas do crime, traz um instrumento de defesa para a família pobre brasileira, onde ela diz: “meu filho, não faça isso, porque é crime”.

O julgamento se tornou foco de tensão do Congresso em relação ao STF. Após a retomada da análise no ano passado, após quase oito anos de interrupção, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que define como crime possuir ou portar drogas, independentemente da quantidade.

O projeto foi aprovado pelo Senado em abril, e na semana passada também ganhou o aval da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Agora, uma comissão específica será criada para discutir o seu mérito.


Fonte: O GLOBO