Favorito para assumir o BC no ano que vem, diretor de Política Monetária resistiu à pressão de Lula por uma redução da Selic e evitou novo racha na diretoria

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu ontem manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,50% ao ano, após sete cortes consecutivos iniciados em agosto do ano passado, quando a taxa estava em 13,75%.

A interrupção do ciclo de queda da Selic não foi uma novidade para os investidores e analistas de mercado, que majoritariamente previam este resultado, mas o que eles mais ficaram de olho mesmo foi em como cada diretor votaria. Particularmente um deles: Gabriel Galípolo.

A unanimidade foi o melhor resultado esperado pelo mercado, que deve ter um dia de alívio no dólar e na Bolsa nesta quinta-feira, esperam analistas. E com o consenso veio também a resposta a uma pergunta que intrigava os analistas: como votaria o diretor de Política Monetária, Gabriel Galílpolo, apontado como o favorito para suceder o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto?

Como se viu, Galípolo resistiu à pressão do presidente Lula sobre Campos Neto e a diretoria do BC para que o Copom decidisse por um novo corte de juros. Havia dúvidas se ele faria isso, já que teria de contrariar Lula, a quem cabe a indicação ao Senado do futuro presidente do BC, que vai assumir o cargo em janeiro de 2025.

Por outro lado, uma nova divisão na diretoria — como a que aconteceu em maio — reduziria a credibilidade de Galípolo junto ao mercado para exercer o papel de líder da autoridade monetária.

Na reunião de maio, Campos Neto e os quatro diretores do BC remanescentes do governo de Jair Bolsonaro votaram por um corte de 0,25 ponto percentual na Selic. Galípolo e os outros três diretores indicados por Lula defenderam 0,5 e perderam. A divisão serviu para muitos analistas preverem um BC mais leniente com a inflação a partir de 2025.

Como mostrou reportagem do GLOBO no último domingo, a reunião do Copom desta semana era vista como uma prova de fogo para Galípolo. Os investidores olham com atenção para cada voto e declaração do diretor de Política Monetária na tentativa de antecipar como será a condução do BC a partir de 2025.

O mercado esperava de Galípolo um compromisso claro com as metas de inflação. E teve isso ontem. Mas as dificuldades do diretor de Política Monetária para se manter como favorito à sucessão no BC deve se manter até o fim do ano, já que o comunicado do Copom indicou que não deve ser aprovado um novo corte na Selic nas próximas reuniões.

Galípolo votou de 'forma conservadora', aponta analista

O economista-chefe da G5 Partners, Luis Otávio Leal, enfatizou que poucas vezes na história de décadas do Copom o placar de uma reunião foi tão importante. Ele disse que o mercado queria ver se a decisão seria unânime ou não.

— Dessa vez, ao contrário da reunião de maio e o seu “Fla x Flu”, a unanimidade vai agradar o mercado. Principalmente porque ela implica que o principal candidato para ser o próximo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, votou de forma conservadora.

Para Leal, o alinhamento de Galípolo pode ajudar a estancar a piora das projeções de inflação no Boletim Focus. Mas o economista ponderou que as chances de Galípolo de assumir o BC diminuíram, dependendo do que será a reação do governo.

Sucessão alimenta especulações

Campos Neto deixa o cargo em 31 de dezembro cumprindo a regra de autonomia da instituição, que deu ao presidente e seus diretores mandatos fixos de quatro anos. O presidente da República tem o poder de indicá-los, mas não pode demiti-los.

No mercado, há temores sobre a postura do BC em relação à inflação a partir de 2025, sob o indicado de Lula, diante das inconsistências da política fiscal do governo e a deterioração das expectativas de inflação com cenário internacional adverso e atividade econômica no país mais aquecida que o esperado.

Diretores do BC: Maurício Moura, Roberto Campos Neto (presidente), Gabriel Galípolo e Ailton de Aquino — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Em Brasília, é consenso que Galípolo é o nome mais forte para assumir o BC no ano que vem. Apenas o nome do diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, aparece como eventual alternativa.

Galípolo é visto como alguém que teria facilidade de passar pelo crivo do Senado, já que, como secretário-executivo do Ministério da Fazenda, no início de 2023, teve bom desempenho nas articulações com o Congresso.

Ele conta ainda com o apoio do ex-chefe, o ministro Fernando Haddad, e a confiança de Lula. Ex-dirigente de banco, ele se aproximou do presidente na campanha eleitoral de 2022, quando fez a ponte entre o PT e o mercado financeiro.

Mas essa proximidade gera um ônus junto ao mercado, que vê Lula como tolerante com a inflação. Galípolo tem de renovar seu compromisso com a meta inflacionária, de 3% neste ano, para não assumir o BC desacreditado.


Fonte: O GLOBO