Em tantos jogos, a distribuição dos jogadores do tricolor em campo o aproxima de um time convencional. E, se for tentar ser convencional, a equipe de Diniz flertará com o risco de ser comum

Momentos como o que vive o Fluminense são reveladores de um traço comum em nossa forma de enxergar o futebol. Primeiro, temos por hábito rotular equipes como se estas se definissem a partir de uma única característica, de preferência aquela que mais foge ao lugar comum. Se este time vence, tal traço é exaltado como começo, meio e fim de todo o triunfo. Quando perde, torna-se mera excentricidade de um treinador vaidoso.

Administrar 30 integrantes de um elenco, com suas oscilações de forma, ambições e mentalidades; integrar novos jogadores e reabrir disputas internas; administrar uma temporada atípica após conquistas históricas e férias reduzidas; criar novas alternativas de jogo sem violentar a identidade que este time criou... tudo isso é muito mais complexo do que dizer que o Fluminense de Diniz perde pela “saidinha de bola” ou porque “passa muito para trás”.

O derretimento que se observa nesta temporada é, de fato, espetacular. E decifrá-lo implica em considerar mil hipóteses, até as não alcançáveis para um observador externo. Se ganhar é difícil, voltar a ganhar sob as expectativas criadas pelas conquistas anteriores é ainda mais desafiador. 

E o Fluminense de 2024 parece uma pilha de nervos, mas também um ambiente sensível a críticas: jogadores cobram que as perguntas levem em conta o que o elenco já ganhou, Fernando Diniz trata por oportunistas todas as observações à forma de jogar da equipe. E pior: se a conduta no banco de reservas e área técnica jamais foi exemplar, as últimas semanas radicalizaram a questão. E, diga-se, Diniz falhou ao não emitir uma só palavra de empatia a uma vítima de agressão e um só termo de reprovação a Felipe Melo, autor do empurrão no assessor de imprensa do Atlético-GO.

Mas as emoções podem ser consequência, e não causa. Em campo, o Fluminense perdeu seus melhores traços. É verdade que a saída de Nino e a lesão de André deterioram a saída de bola. Mas até este ponto é intrigante: de Nino ao goleiro Fábio, passando por Samuel Xavier, Manoel e tantos outros que permitiram ao tricolor jogar com coragem e acerto em 2023, todos passaram por um aprendizado bem-sucedido com Diniz. E em 2024, o processo parece não andar.

É muito confortável sugerir que Diniz abandone suas crenças. Seria descaracterizar treinador e time, descartar tudo o que se construiu. O Fluminense não tem perdido por tentar ser quem ele é, tem perdido justamente porque não está conseguindo ser. 

E isto se nota muito além da saída de bola. Quando chega ao campo ofensivo, tem se visto muito pouco o time que, de tanto crer em sua forma de jogar, aglomera sem hesitação suas peças em um lado de campo para trocar passes. Em tantos jogos, a distribuição dos jogadores do Fluminense em campo o aproxima de um time convencional. E, se for tentar ser convencional, a equipe de Diniz flertará com o risco de ser comum.

Na última janela de transferências, o Fluminense dobrou a aposta na qualidade técnica acima da mera busca por vigor ou pela redução da média de idade do elenco. E, se o fez, foi porque tantas vezes — nem sempre — Diniz conseguiu fazer o estilo se sobrepor a questões físicas. Este é um elenco montado para o seu estilo de trabalho. E aqui há um dilema: novos tropeços vão ampliar a pressão, mas romper com Diniz ou com a sua forma de jogar está longe de ser um atalho. Afinal, o elenco foi concebido para esta maneira de pensar futebol.

O Fluminense está pressionado pelas expectativas geradas e pelo desempenho ruim. Por ora, a saída não parece ser um divórcio com sua identidade. Trata-se de um duro teste de convicções em meio a um ano desapontador.

Dedicação

Dizimado por desfalques impostos pelo calendário, o Flamengo tem sido um time dedicado e organizado. Fez um jogo corajoso em Curitiba e não merecia perder para o Athletico. Léo Ortiz e Léo Pereira, improvisados, vêm se superando, enquanto Gerson tem sido vital no centro do campo. A questão é que, com menos opções de trocas e jogadores em funções pouco habituais, o lado físico já cobra a conta. E a Copa América nem começou.

Líder outra vez

Não apareceu em Cariacica a melhor versão do Botafogo deste Brasileiro, mas a liderança premia um time que cresceu demais ao longo da temporada e tem padrões claros com Artur Jorge. O alvinegro de 2024 tem um elenco com mais recursos e um time que parece capaz de resolver jogos em contextos mais variados do que no ano passado. É candidato ao título. A diferença é que a atual edição do Brasileiro tem mais concorrentes reais.

Crueldade

Um dos pontos marcantes do início de Eurocopa é a forma como seleções menos cotadas tentam pressionar as favoritas. Em termos de ousadia, nada supera o plano da Áustria, que assumiu todos os riscos contra uma França cheia de talentos ofensivos. Os austríacos tiveram sua chance, mas foram punidos por um erro de saída de bola seguido por um gol contra. A França não precisa dominar rivais para ganhar jogos, mas pode produzir mais.


Fonte: O GLOBO