Análises feitas por empresas especializadas em mapear os ambientes digitais mostram que a defesa do texto em tramitação no Congresso não emplacou

Porto Velho, Rondônia - A entrada de influenciadores digitais e celebridades de fora do meio político, como a atriz Luana Piovani, impulsionou a crítica à PEC das Praias nas principais plataformas digitais e levou a posição do campo da esquerda e de aliados do presidente Lula a “vencer” o debate sobre a proposta, cenário que não costuma ser frequente nas redes. 

A conclusão é reforçada por análises feitas por empresas especializadas em mapear os ambientes digitais, a pedido do GLOBO, que mostram que a defesa do texto em tramitação no Congresso, mobilizada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da proposta, não emplacou e ficou isolada.

Um levantamento feito pela consultoria Bites aponta que a discussão sobre a proposta era inexistente nas plataformas até 24 de maio. Antes da entrada de celebridades, o tema foi pautado por uma mobilização feita por organizações e ambientalistas, como o Observatório do Clima, que começaram a se manifestar às vésperas da audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que ocorreu no dia 27. 

O primeiro vídeo a viralizar foi produzido pelo movimento Euceano e divulgado em 24 de maio. Na gravação, os mergulhadores e documentaristas Rodrigo Thomé e Rodrigo Cebrian abordam a audiência pública e criticam a tentativa de “privatizar praias”. Eles também pedem que seguidores pressionem os parlamentares.

A PEC prevê a transferência da propriedade de terrenos de marinha — aqueles que ficam numa faixa de 33 metros para dentro do continente a partir do limite das marés —, hoje sob o domínio da União, para estados, municípios e proprietários privados. Ambientalistas alertam que a proposta pode bloquear acessos de praias por empreendimentos e comprometer a biodiversidade, o que é negado pelo relator da proposta Flávio Bolsonaro.

Após a publicação do Euceano, políticos e contas do campo da esquerda se posicionaram contra a PEC e miraram Flávio, mas não atingiram engajamento expressivo. O patamar de interesse sobre a PEC das Praias só mudou no dia 31 de maio, quando houve um salto no volume de menções à PEC, chegando às 100 mil citações na plataforma X (antigo Twitter). A mudança foi puxada por stories no Instagram de Luana Piovani, com críticas ao texto e que associavam a proposta no Senado a interesses econômicos do jogar Neymar. O jogador anunciara, dias antes, um projeto de construções de luxo no litoral do Nordeste.

Ao repostar um vídeo de uma influenciadora crítica à PEC, a atriz focou em Neymar: “Imagina se isso é ídolo?”, escreveu Luana, condenando ainda a postura do jogador como pai e marido, ao relembrar de supostas traições: “Como consegue ser tão mau caráter? Neymar também foi às redes e chamou a atriz de “maluca”.

Dados reunidos pela Bites mostram que, na semana de 28 de maio a 3 de junho, o Google registrou 674 mil buscas sobre Neymar, contra 103 mil buscas sobre Luana. A empresa calcula que a PEC mobilizou, nos últimos dias, 9,3 milhões de interações com menções no X, sites e blogs, além de contas do Instagram, como perfis de notícias, páginas de fofocas e de políticos.

Influenciadores

Apenas no X foram 188 mil perfis no debate sobre a PEC. Segundo a Bites, contas de páginas e influenciadores como Gina Indelicada, Choquei, Alfinetei, Hugo Gloss e Felipe Neto se destacaram na campanha contra que teve como mote atacar a “privatização” das praias.

Por outro lado, usualmente articulada nas redes sociais, a direita não se engajou. A consultoria Arquimedes contabiliza 587 mil publicações compartilhadas na plataforma X sobre o tema legislativo, entre 23 de maio e 5 de junho. Do total, 86,5% foram críticas à PEC das Praias. Já as postagens em defesa da proposta não elencaram argumentos favoráveis à sua aprovação e se destinaram a rebater a alegação de que a PEC tem o intuito de privatizar as praias, o que também foi feito por Flávio em entrevista ao GLOBO:

— Isso é narrativa. Estou botando na PEC um texto para repetir o que está na legislação sobre praias: que ela é um bem comum, de uso público e de acesso irrestrito a todos os brasileiros.

Um levantamento do GLOBO mostra que, entre os 13 senadores que hoje compõem a bancada do PL, o único a fazer postagens sobre a PEC foi Flávio Bolsonaro. Até mesmo os representantes com cadeira na CCJ, onde a proposta tramita — Marcos Rogério (RN), Carlos Portinho (RJ) e Magno Malta (ES) — ausentaram-se do debate.

Na Câmara, representantes que usualmente pautam a arena digital como Nikolas Ferreira (PL-MG) também não comentaram. Entre os deputados de maior relevância digital a exceção foi Carla Zambelli (PL-SP), que chegou a repostar uma gravação de Flávio, que alcançou pouco mais de 13 mil visualizações.

Projeção nacional

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, Letícia Capone reforça que o enredo de brigas entre celebridades contribuiu para que o repúdio à proposta ganhasse projeção nacional e rompesse a bolha política:

— Isso associado à falta de articulação política da direita, que não pautou o assunto, deu uma projeção maior à proposta.

Professor do Departamentos de Estudos de Mídia e Antropologia na Universidade da Virginia, David Nemer diz que a escolha de uma mensagem simples e direta — “privatização das praias” — fez a posição da esquerda crescer no debate digital.

Para Nemer, além de enfrentar um isolamento, Flávio contribuiu para a polarização do debate. Grande parte das postagens citam o filho do ex-presidente nominalmente, classificando-o como bolsonarista. Também pesou contra o senador uma certa inabilidade digital, segundo o pesquisador.


Fonte: O GLOBO