Criticado por autoridades ocidentais, acordo sela aliança estratégica entre os dois países e é visto como a conexão mais forte entre Moscou e Pyongyang desde o fim da União Soviética
O presidente russo, Vladimir Putin, e o líder supremo norte-coreano, Kim Jong-un, assinaram nesta quarta-feira uma nova parceria que inclui o compromisso de assistência mútua caso qualquer um dos dois países seja atacado. O acordo, que é criticado por autoridades ocidentais, pode selar uma aliança estratégica que se intensificou com o início da guerra na Ucrânia – e é visto como a conexão mais forte entre Moscou e Pyongyang desde o fim da União Soviética, em 1991.
Putin desembarcou na Coreia do Norte nas primeiras horas da quarta-feira no horário local (terça-feira em Brasília), exatamente 24 anos após sua última passagem pelo país. A visita do russo é vista com preocupação pelos Estados Unidos e seus aliados, que criticam a crescente cooperação militar entre os dois Estados. Governos ocidentais acusam Pyongyang de fornecer armas a Moscou que são cruciais para a guerra na Ucrânia, travada desde 2022. Ambos negam as alegações, apesar de haver evidências significativas dessas transferências.
— O acordo de parceria abrangente assinado hoje inclui, entre outras coisas, a provisão de assistência mútua em caso de agressão contra uma das partes desta aliança — disse Putin após a reunião bilateral com o norte-coreano. — [O tratado abrange as esferas] política, comercial, de investimento, cultural e também a esfera de segurança. É verdadeiramente um documento revolucionário — acrescentou.
Em seu discurso, Putin também afirmou que a Rússia “não descarta uma cooperação militar-técnica” com a Coreia do Norte. Ele pontuou que os dois países têm “uma política externa independente e não aceitam a linguagem de chantagem por parte do Ocidente”. Em comum, ambos são tratados como “párias” e recebem intensa pressão ocidental, além das sanções internacionais. Em troca do envio de munições a Moscou, Kim espera assistência econômica e transferências de tecnologias que poderiam aumentar seu programa de armas nucleares e mísseis.
O líder norte-coreano disse que o acordo era o “tratado mais forte de todos os tempos” entre as duas nações e prometeu apoio total à guerra travada por Moscou na Ucrânia desde fevereiro de 2022. Embora outros detalhes sobre o acordo não tenham sido esclarecidos, Putin disse que questões de segurança ocuparam grande parte das conversas com Kim – que, por sua vez, chamou Putin de “melhor amigo” da Coreia do Norte e declarou que o tratado tinha uma natureza “pacífica e defensiva”.
— Não tenho dúvidas de que [a aliança entre Rússia e Coreia do Norte] se tornará uma força motriz que acelerará a criação de um novo mundo multipolar — afirmou o norte-coreano.
Contra políticas ‘imperialistas’
Putin foi recebido na Coreia do Norte com uma cerimônia de boas-vindas na capital. Guardas de honra, militares e crianças segurando balões coloridos aplaudiram a passagem do russo, que andou ao lado do norte-coreano em um tapete vermelho. Edifícios da cidade foram decorados com flores, bandeiras da Rússia e retratos do presidente. Quando as conversas começaram, Kim apresentou a Putin a ministra das Relações Exteriores, Choe Son-hui; o principal assessor e secretário do partido no poder, Jo Yong-won; e sua irmã, Kim Yo-jong.
Quando as conversas começaram, Putin agradeceu a Kim pelo apoio norte-coreano na guerra na Ucrânia, algo que ele classificou como uma “luta contra as políticas imperialistas e hegemonistas dos Estados Unidos contra a Federação Russa”. De acordo com a Associated Press, ele ainda exaltou os laços que remontam ao Exército soviético lutando contra o Exército japonês nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial, além do apoio de Moscou a Pyongyang durante a Guerra da Coreia.
Kim afirmou que a “amizade” entre os países agora está ainda mais próxima do que durante os tempos soviéticos, e prometeu “total apoio e solidariedade ao governo, ao Exército e ao povo russo” para “proteger a soberania, os interesses de segurança e a integridade territorial” durante a ofensiva contra Kiev. Não ficou claro de que maneira esse apoio seria manifestado. Putin também convidou Kim para visitar a Rússia mais uma vez. A passagem do russo pela Coreia do Norte ocorre nove meses depois de Putin ter recebido Kim no Extremo Oriente russo, ocasião em que ambos os líderes também se cobriram de elogios.
Após o encontro desta quarta, os líderes russo e norte-coreano trocaram presentes, de acordo com a mídia estatal da Rússia. Putin teria dado a Kim um carro Aurus Senat pela segunda vez, além de um conjunto de chá. Yuri Ushakov, assessor do presidente russo, não especificou o que Putin recebeu, mas disse que também eram “bons presentes”.
Suporte mútuo
Enquanto a Coreia do Norte está sob sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas devido ao seu programa de armas (que incluem munições de artilharia e foguetes de curto alcance), a Rússia também enfrenta sanções dos EUA e outros países ocidentais. Apesar disso, segundo Edward Howell, professor de política da Universidade de Oxford, o relacionamento dos dois “não é apenas sobre necessidade”. À CNN, ele disse que ambos estão formando “uma frente unida e alinhada cada vez mais coordenada contra os Estados Unidos e o Ocidente”.
Prova disso seria o momento da visita – que foi confirmada apenas um dia antes do embarque. O encontro de Putin e Kim ocorre um mês após a reunião do presidente russo com o líder chinês, Xi Jinping, e depois que líderes do G7 se reuniram numa cúpula na Itália e novamente mostraram solidariedade à Ucrânia na guerra. Somado a isso, segundo análise publicada pela CNN, há a revolta da Coreia do Norte contra a crescente cooperação de segurança entre os EUA e Coreia do Sul e Japão.
Ao lado da China, a Rússia forneceu cobertura política para os esforços de Kim para avançar na produção de seu arsenal nuclear, bloqueando repetidamente as tentativas dos Estados Unidos de impor novas sanções da ONU a Pyongyang. Em março, um veto russo nas Nações Unidas encerrou o monitoramento das sanções contra o Norte – algo que, segundo analistas, parecia favorecer a Rússia. Conforme a AP, a decisão provocou novas acusações ocidentais de que Moscou buscava evitar o escrutínio enquanto compra armas do país para uso na Ucrânia.
Em Washington, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que a visita de Putin à Coreia do Norte ilustra como a Rússia tenta, “em desespero, desenvolver e fortalecer relações com países que podem fornecer o que ela precisa para continuar sua guerra de agressão”.
A Rússia teria recebido mais de 10 mil contêineres de transporte (o equivalente a 260 mil toneladas métricas de munições) da Coreia do Norte desde setembro, de acordo com declaração dos Estados Unidos em fevereiro. As forças russas também teriam lançado pelo menos dez mísseis fabricados no Norte contra a Ucrânia desde setembro. Embora as armas possam ser de qualidade inferior às da própria Rússia, segundo a CNN, elas ajudaram Moscou a reabastecer seus estoques em declínio e acompanhar o suporte que a Ucrânia tem recebido do Ocidente.
Outro benefício apontado por observadores é que o arranjo entre as duas nações pode permitir que a Coreia do Norte obtenha informações reais sobre o funcionamento de suas armas e aumente as exportações de forma mais ampla. Além disso, de acordo com o Instituto de Estratégia de Segurança Nacional, um think tank administrado pela principal agência de espionagem da Coreia do Sul, provavelmente haverá discussões sobre a expansão da cooperação em agricultura, pesca e mineração, além da promoção adicional do turismo russo na Coreia do Norte.
— A Rússia precisa do apoio da Coreia do Norte em armas devido à guerra prolongada na Ucrânia, enquanto a Coreia do Norte precisa do apoio da Rússia em alimentos, energia e armas avançadas para aliviar a pressão das sanções — disse Koh Yu-hwan, professor emérito de estudos norte-coreanos na Universidade Dongguk.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, instou a comunidade internacional a combater a “amizade” entre Putin e Kim Jong-un, aumentando os envios de armas para Kiev. À AFP, ele afirmou que “a melhor forma de responder é continuar a fortalecer a coligação diplomática para uma paz justa e duradoura na Ucrânia”. (Com AFP)
Fonte: O GLOBO
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