Especialistas veem declarações de Haddad na direção correta, mas são céticos quanto à cifra prometida. E alertam para riscos de arcabouço fiscal não resistir até 2027
A promessa de cumprimento do arcabouço fiscal neste ano e nos próximos, determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e enfatizada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi bem recebida por especialistas que acompanham de perto as contas públicas.
Ainda assim, a avaliação geral é que é preciso acompanhar os próximos passos do governo. Só o atual discurso, dizem, é pouco para garantir o equilíbrio fiscal nos próximos anos.
O anúncio de cortes da ordem de R$ 25,9 bilhões para fechar as contas de 2025 deve trazer algum alívio, mas há preocupação sobre o quão plausível é fazer esse enxugamento apenas com um pente-fino nos programas ministeriais.
Permanece, entre analistas, a preocupação com a situação fiscal de médio prazo. Eles alertam que, se não houver ajustes no Orçamento, há chances de o arcabouço fiscal não resistir até 2027.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o mais importante da fala de Haddad foi o anúncio de compromisso com a meta fiscal, com o aval do presidente. Prova disso, diz Salto, é a apreciação do câmbio nos dois últimos dias, depois da recente disparada do dólar.
— O sinal foi bem dado. Lula acertou e, se seguir respaldando seu ministro da Fazenda, não acho que voltará a errar nessa matéria — afirma Salto. — A palavra do ministro da Fazenda e do presidente da República tem fé pública. Ponto final. Se não cumprirem o prometido, o filme é conhecido. Eu aposto que cumprirão. A questão é que temos de olhar também para o médio prazo.
Ele considera bem-vindo o corte de gastos anunciado para 2025, mas aguarda os detalhes do que e como será cortado. O principal desafio à execução desses corte, diz Salto, é o Congresso. Ele afirma que Câmara e Senado têm sinalizado um descompromisso inédito com o equilíbrio das contas públicas do país.
‘Empurrar os problemas’
Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper, calcula que o governo ainda precisaria bloquear pelo menos R$ 23 bilhões em despesas para cumprir a meta fiscal deste ano, mas seria preciso “coragem política”:
— Se o governo mostrar que está comprometido com contas confiáveis e bloquear acima desse valor, aí vamos ver que mudou alguma coisa. Mas, se continuar, aí é uma sinalização de que nada mudou e de que o governo continua com a mesma tática de empurrar os problemas pra frente.
Mendes vê com certo ceticismo a capacidade do governo de cortar despesas na ordem de R$ 25,9 bilhões por meio de um pente-fino. Ele presume que o governo está se baseando no estudo do ex-secretário da Previdência Leonardo Rolim, que elencou dez processos de melhoria de gestão administrativa e de processos do INSS.
Caso se trate realmente desse relatório, o economista considera temerário o governo anunciar um corte dessa magnitude sem antes começar a atingir os primeiros resultados.
— Isso (pente-fino) não é uma coisa que se faz de uma hora pra outra. Requer, sobretudo, determinação de continuar fazendo. É uma reestruturação forte de vários serviços, que não é trivial fazer.
Para Mendes, há chances de o governo diminuir a previsão de despesas no Orçamento de 2025 e subestimar o gasto com benefícios previdenciários, como ocorreu este ano.
Arcabouço vai resistir?
Ele alerta que o arcabouço fiscal permite um crescimento máximo das despesas de 2,5% ao ano, e o governo precisa mirar esse teto para evitar problemas futuros.
— Com o forte aumento das despesas obrigatórias, as despesas discricionárias vão ter uma compressão muito grande, e já em 2027 o governo não conseguirá cumpri-las. Ou o arcabouço é mudado em 2027, em que você tira algumas despesas do limite, ou então o arcabouço não resiste a partir de 2027 — afirma o economista.
João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria, considera importante que o ministro da Fazenda e o presidente Lula tenham reforçado o compromisso com o arcabouço fiscal. Mas diz que as medidas anunciadas até agora pelo governo são insuficientes para colocar o resultado primário dentro da banda permitida para 2025 pela regra fiscal.
Um corte de despesas de R$ 25,9 bilhões em 2025, calcula Leme, levaria o cenário de déficit primário projetado pela Tendências de -0,6% para -0,35% do PIB, ainda aquém do intervalo de 0,25% a -0,25% previsto no arcabouço fiscal. Nas projeções da consultoria, o governo só alcança o déficit zero em 2028.
— Desvincular receitas da União, fazer um pente-fino nos programas... Tudo isso é importante para conseguir eficiência do gasto público. Mas não resolve os principais drivers que jogam o gasto público para cima, que são a manutenção dos subsídios e a regra de valorização do salário mínimo, que puxa o valor pago no BPC (benefício pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) e a Previdência Social — diz Leme.
Fazer uma reforma ampla
Para Guilherme Tinoco, pesquisador associado do Ibre FGV, as declarações de Haddad emitiram um sinal positivo, que dará algum tempo ao governo, até que seja retomada a discussão estrutural de contenção do avanço das despesas obrigatórias.
— O que foi falado ontem ainda é pouco diante do necessário para cumprir o arcabouço. Ajuda a estancar um pouco o movimento de perda de credibilidade, mas vai demandar sinais mais concretos nas próximas semanas — afirma Tinoco.
Salto, da Warren, diz que é urgente criar um plano fiscal de médio prazo, devido ao elevado grau de rigidez orçamentária:
— Precisamos de uma reforma orçamentária ampla, que cuide das indexações e vinculações, para justamente pararmos de jogar dinheiro pela janela. Nesse aspecto, gostei da fala do presidente dizendo que não desperdiça dinheiro. Agora é a prática. Vamos ver.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários