Com a piscina cheia e cadeiras instaladas nas arquibancadas, prefeitura já iniciou vistoria para checar se obrigações contratuais foram cumpridas

A piscina já tem água, as cadeiras preencheram as arquibancadas e, na quadra de tênis, o saibro alisado parece aguardar o quique das primeiras bolinhas. A reforma da Mercado Livre Arena Pacaembu, equipamento da prefeitura de São Paulo concedido à gestão privada em 2020, sofreu uma série de revezes neste ano — a transferência da final da Copinha, o cancelamento de última hora de um show de Roberto Carlos, a troca de acusações com uma empresa que faz obras do metrô devido ao surgimento de rachaduras e até uma greve de operários na semana passada. 

A longa e turbulenta revitalização, no entanto, chega enfim à reta final e existe a expectativa de que a bola role no gramado — agora sintético — do tradicional Estádio Paulo Machado de Carvalho ainda em 2024.

A data inicialmente prevista para o fim da reforma era outubro de 2022. Em razão da pandemia, novos prazos foram concedidos e, após uma série de adiamentos, a conclusão ficou para 27 de junho. Nesta data, a concessionária Allegra enviou um ofício à prefeitura para informar que tinha terminado as "intervenções obrigatórias" no espaço. O investimento total está na casa dos R$ 500 milhões — parte da exigência para que a nova gestora do Pacaembu explore o espaço por 35 anos.

O GLOBO visitou o complexo nesta semana. Além da grama e das cadeiras do estádio, que terá a capacidade reduzida para 25.500 pessoas, também estava quase pronta a área dos 25 camarotes, na parte superior das arquibancadas, em fase de instalação dos vidros. No nível térreo, onde devem funcionar bares e restaurantes, a parte hidráulica e elétrica estava praticamente finalizada. As quadras de tênis, uma coberta e de saibro e a outra do tipo dura, estavam concluídas.

Vista de arquibancada do Pacaembu: no entorno do campo, a pista de atletismo — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

No entorno do campo, porém, a pista de atletismo aguarda a secagem do solo para poder receber a pintura. As grades de proteção entre as arquibancadas e o campo ainda estão sendo instaladas. A piscina, que será climatizada, apesar de cheia, carecia de acabamento no piso ao redor. O ginásio poliesportivo era o mais atrasado, com funcionários operando maquinário pesado por baixo da cobertura. No total, o complexo tem mais de 75.000 metros quadrados.

Mesmo com o comunicado à prefeitura de que as obras obrigatórias estariam prontas, na semana passada a Allegra teve de lidar com uma paralisação de operários liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, que suspendeu a reforma por dois dias pedindo melhores condições de segurança no espaço.

— Começamos a fase de entregas prevista no rito contratual — afirma Eduardo Barella, CEO da Allegra. — Enfrentamos desafios relevantes, como a restauração completa das estruturas de madeira das coberturas dos ginásios do clube, construídos em peroba-rosa, espécie em extinção — ele diz.

Grades que separam arquibancadas do campo, no Pacaembu — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

O CEO afirma que a expectativa é sediar jogos de futebol ainda em 2024. Além disso, um aplicativo será lançado para a população se cadastrar para utilizar os equipamentos do complexo.

— Nossa intenção é ver bola rolando ainda neste ano. Claro que isso depende de autorizações e alvarás e, também, de acordo com os clubes para que venham mandar jogos aqui — explica.

A vizinhança, por sua vez, não tem dúvidas de que as obras prosseguem, com caminhões e tratores circulando a todo vapor mesmo após o comunicado para a prefeitura. Fabio Cabral, presidente da associação de moradores Viva Pacaembu, diz que os moradores do entorno seguem enfrentando os transtornos de quem vive ao lado de uma grande obra.

Área da piscina no clube do Pacaembu, com piso sendo instalado — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

— Eles usam o entorno do estádio, as calçadas ficam com material de construção, tem guindastes, tratores, caminhões andando de ré pelas ruas, barulho — reclama Cabral.

Um relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), elaborado em maio, já apontava para um novo atraso na entrega. A inspeção foi feita após uma reunião entre representantes da Allegra, da prefeitura e do TCM, em abril. No documento, que ficou pronto em junho, foi apontado avanço aquém do previsto no término das obras obrigatórias.

A quadra de tênis interna, de saibro — Foto: Divulgação

— A Allegra apresentou um cronograma ao TCM dizendo que entregaria os equipamentos obrigatórios até o final de junho, mas afirmando que o clube (as quadras de tênis, piscina e ginásio) ficaria para agosto — diz Rubens Chammas, chefe de gabinete do conselheiro Domingos Dissei, que é o relator da concessão.

A área do Museu do Futebol também foi apontada no relatório do TCM como um ponto de atenção, por conta de possíveis problemas estruturais. Localizado embaixo de uma das arquibancadas do Pacaembu, o Museu é de responsabilidade do governo estadual e é gerido por uma Organização Social. O espaço foi o cenário da recente disputa entre a Allegra e a Linha-Uni, responsável pela construção da Linha 6-Laranja do metrô de São Paulo.

A quadra de tênis do Centro de Tênis Mercado Livre — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Em junho, a Allegra disse que a obra do metrô poderia ocasionar riscos estruturais nas arquibancadas do estádio. Um relatório técnico feito pela concessionária encontrou uma trinca em um pilar secundário dentro da área do Museu. O problema, aparentemente, foi sanado.

A Linha-Uni disse que comprovou por meio de relatórios técnicos que não tinha relação com os problemas apontados pela Allegra. O Museu do Futebol, responsável pela área onde surgiram os problemas, disse que uma equipe de engenharia vistoriou o endereço e constatou “inexistência de qualquer risco” no espaço, mas mesmo assim fez o reparo na coluna citada.

Área do ginásio poliesportivo do Pacaembu, ainda com máquinas pesadas nas obras — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Como a Allegra comunicou o término das obras obrigatórias em 27 de junho, a prefeitura agora irá entender o que de fato está pronto e o que ainda precisa de ajustes. Na semana passada, uma portaria da Secretaria Municipal de Esportes e da Secretaria de Governo da gestão Ricardo Nunes (MDB) instituiu uma comissão formada por engenheiros que vai vistoriar as obras. A fiscalização, segundo a prefeitura, teve início na sexta-feira (26).

Caso seja constatado que as obras estão incompletas, a Allegra tem mais 90 dias para realizar os ajustes. Ou seja, na prática, a concessionária dispõe de ao menos mais três meses para os retoques necessários. “Eventuais sanções serão aplicadas após a entrega das obras, de acordo com o contrato de concessão”, informa a prefeitura.

Área embaixo de uma das arquibancadas, onde devem funcionar bares e restaurantes — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Advogado especialista em licitações e obras de infraestrutura, Rafael Marinangelo explica que, caso os atrasos sejam de fato confirmados nas vistorias, o desfecho dependerá de uma aferição da responsabilidade sobre o problema.

— Se for constatado que a razão do atraso é de responsabilidade da concessionária, se ela, em um exemplo hipotético, poderia ter usado duas retroescavadeiras, mas usou apenas uma, aí são aplicadas as penalidades. Mas se o eventual atraso não for responsabilidade dela, como se, em outro exemplo, no meio do caminho ela encontrou um cano de gás que não estava nas plantas e teve que alterar o projeto por conta disso, ela não poderia ser penalizada — explica Marinangelo.

Com essas informações em mãos, a prefeitura abriria um procedimento administrativo, onde haveria direito de defesa da Allegra, para só então tomar uma decisão.

Desde o papelão do "não-show" de Roberto Carlos, cancelado por falta de autorização dos bombeiros, a Allegra realizou ali uma feira de arte, a ArPa, em junho, no Mercado Pago Hall, espaço com capacidade para 8.500 pessoas localizado no subsolo do edifício. E, no início de agosto é esperado um campeonato de jiu-jitsu no Centro de Tênis Mercado Livre, na área coberta.

— Os espaços (o centro de tênis e o Mercado Pago Hall) já contam com autorizações das esferas municipal e estadual para eventos temporários. (Sobre o show de Roberto Carlos,) havia uma expectativa de que o alvará temporário para o evento seria obtido em tempo, o que infelizmente não ocorreu — afirma Barella.

A área subterrânea do Mercado Pago Hall, onde já foi realizada uma feira de arte — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Independentemente da decisão da prefeitura sobre a conclusão ou não das obras obrigatórias, quem frequentar o Pacaembu quando ele for aberto ao público nos próximos meses ainda verá máquinas, poeira e capacetes no horizonte: o edifício multifuncional de nove pisos, construído no lugar da arquibancada antes conhecida como Tobogã, só será finalizado em 2025.

Prédio multifuncional de nove pisos, com previsão para 2025 — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Ali está prevista a operação de restaurantes e um hotel da UMusic, braço da Universal Music, com 87 quartos. O prédio não faz parte das chamadas obras obrigatórias previstas no contrato. O Tribunal de Contas pediu que a Allegra elabore um plano que mostre como vai garantir a segurança dos visitantes, que devem conhecer o Pacaembu enquanto o "prédio do Tobogã" ainda é construído.

Do lado de dentro do Museu do Futebol, recentemente reaberto, o fim das obras do Pacaembu também é esperado com ansiedade. Por ora, o visitante ainda não consegue fazer a clássica foto com o gramado do estádio ao fundo: o acesso ao local onde se tem a famosa vista segue fechado.


Fonte: O GLOBO