Assim como no Brasil, moeda americana sobe com força no mercado argentino, o que dificulta política atual de ajustes calibrados do governo e cria dúvidas sobre como será a prometida dolarização do país
Quando o presidente argentino, Javier Milei, assumiu o poder, em 10 de dezembro passado, a cotação do dólar paralelo ou blue estava em 990 pesos. Nos últimos dias, a moeda americana superou a barreira dos 1.400 pesos no mercado paralelo, acentuando uma escalada que começou em meados de maio, quando o Banco Central do país baixou de 50% para 40% a taxa de juros anual para aplicações de renda fixa.
Num contexto de alta global da moeda americana, incerteza sobre os próximos capítulos do programa econômico de Milei sobre o desfecho de suas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para um novo acordo com o país, aumentam as dúvidas sobre qual será o caminho escolhido pela Casa Rosada para a prometida normalização do mercado de câmbio no país.
Afinal, Milei foi eleito com a promessa de liberar por completo as amarras do câmbio para, depois, dolarizar a economia argentina. Mas, desde que assumiu, em vez de adotar o tratamento de choque prometido, Milei optou por uma estratégia que ficou conhecida no jargão financeiro como crawling peg – uma calibragem fina na desvalorização do peso para permitir a retomada do crescimento do país sem levar a um descontrole ainda maior na inflação.
Casa de câmbio em Buenos Aires, Argentina — Foto: Sarah Pabst
No último um mês e meio, o peso se desvalorizou em cerca de 40%, acendendo a luz amarela no governo. Se o cenário internacional não ajuda e alta do dólar no Brasil complica mais a situação, os “fatores internos são os que mais pesam” para a perda de valor do peso, avalia Fernando Corvaro, analista da Pampa Capital.
— Existe muitas incertezas sobre a suspensão do chamado cepo (medida que restringe as operações no mercado cambial), e o mercado está nervoso — afirma.
Se não for contida, a subida do dólar paralelo – que faz os preços em peso ficarem mais baratos – poderá animar turistas estrangeiros, entre eles os brasileiros, que nos últimos meses reduziram de forma expressiva suas viagens para a Argentina, assustados com os preços mais salgados.
Segundo representantes de agências de viagens locais, o turismo brasileiro está em baixa nos últimos meses e vários cruzeiros tiraram Buenos Aires do roteiro, optando, por exemplo, por Santiago do Chile, onde fazer compras ficou mais em conta do que na capital argentina. Até mesmo os argentinos voltaram aos shoppings de Santiago.
Corvaro é otimista e acredita que as negociações com o FMI levarão a um entendimento que permitirá ao governo argentino receber entre US$ 10 e US$ 15 bilhões ainda este ano, recursos que permitirão recompor as reservas do BC argentino e, assim, permitir equacionar melhor a questão cambial no país.
Mas o cenário ainda é incerto, e existe preocupação na equipe econômica comandada pelo ministro Luis Caputo. Em recente reunião com representantes dos bancos e do mercado financeiro, o ministro explicou os próximos passos do programa econômico, mas não deu detalhes sobre a política cambial. As dúvidas aumentaram o nervosismo, admite o economista Andrés Borenstein, da Universidade Di Tella e da empresa de consultoria Econviews.
— O governo perdeu um pouco da confiança dos mercados nos últimos tempos. O BC deixou de comprar reservas, baixou a taxa de juros e muitas pessoas voltaram a se refugiar no dólar — afirma o economista.
Entre abril e o começo de julho, o dólar subiu quase 40% no mercado paralelo. Atualmente, uma aplicação de renda fixa num banco argentino oferece juros em torno de 2,5% mensais. No mesmo período em que o dólar paralelo passou de 990 para 1.400 pesos, a inflação acumulada foi de 126%. Os incentivos para colocar o dinheiro no banco e não comprar dólares são baixos, num país no qual o dólar é uma das paixões nacionais.
— Há muitas razões pelas quais o dólar voltou a subir com força na Argentina e uma delas é a queda das taxas de juros — avalia o economista Amilcar Collante.
Segundo ele, “outros elementos importantes são a falta de certezas do mercado sobre o programa econômico, o freio na recomposição de reservas do BC, e as enormes dúvidas sobre como Milei vai encontrar um caminho para retirar o cepo e normalizar o câmbio”.
— Todos esperamos uma solução para o mercado cambial até o final do terceiro trimestre deste ano. Se isso não acontecer, o cenário será muito complexo e poderemos ter uma disparada do dólar no final do ano — alerta Collante.
O que fará Milei com o câmbio é algo que Caputo está discutindo com o FMI. Há algumas opções sobre a mesa, e também, diferenças entre Milei e o organismo internacional. Nesta discussão, confirmam fontes do mercado, o ministro da Economia apoia as sugestões do Fundo, e diverge da visão de Milei.
O FMI e Caputo defendem um esquema ortodoxo, similar ao que têm países como Peru e Uruguai, com uma flutuação administrada da moeda local. Ou seja, intervenções do BC quando for considerado necessário. Já Milei, dizem as fontes, prefere um esquema mais livre, no qual o BC não tenha qualquer tipo de envolvimento no mercado cambial, e no qual, também, seja reduzida ao máximo a emissão de pesos. O presidente acredita que com menos pesos circulando no mercado, a cotação do dólar será contida.
— O FMI aceitou começar a discutir um novo acordo quando foi aprovada a Lei de Bases (amplo projeto de reforma econômica de Milei que ganhou o aval dos parlamentares em junho). Na verdade, já deveríamos ter esse acordo, está tudo demorado pelo atraso no Congresso — acrescenta Corvaro, que considera muito provável um sinal verde do Fundo até o final de agosto ou princípio de setembro, no máximo.
Por enquanto, são expressões de desejo. O mercado argentino está tenso e o dólar voltou a ser motivo de preocupação na Casa Rosada. Se a disparada do último mês e meio não for contida, o governo de Milei terá uma enorme pedra no sapato.
Fonte: O GLOBO
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