Barrada de concorrer à Presidência pela Justiça chavista, María Corina Machado diz que eleições não serão justas e apela ao apoio de governantes vizinhos

María Corina Machado, uma das líderes da oposição na Venezuela, afirma que o presidente Lula pode “ajudar muitíssimo” no processo eleitoral do seu país e a convencer Nicolás Maduro a realizar uma transição de governo pacífica e negociada, caso os opositores saiam vitoriosos das eleições marcadas para o fim do mês. “Ele tem comunicação direta com Nicolás Maduro, o que outros presidentes não têm. Lula tem feito declarações recentes muito importantes e valiosas”, disse ela, em entrevista ao GLOBO.

María Corina foi escolhida nas prévias dos partidos de oposição candidata a concorrer contra Maduro. Mas, em junho do ano passado, a Controladoria-Geral e a Justiça, sob controle chavista, inabilitaram-na para ocupar cargos públicos por 15 anos. Ela chegou a indicar outra mulher para substituí-la, Corina Yoris. Mas a professora foi impedida de se inscrever no sistema de candidatos. Finalmente, o veterano Edmundo González, de 74 anos, foi indicado pelo oposição para substituí-la.

Na entrevista, María Corina afirma que as eleições não serão justas e acusa Maduro de criar empecilhos para que eleitores votem.

A senhora acredita que as eleições de 28 de julho serão livres, justas e aceitas por todos?

Todos sabemos que não é uma eleição livre e justa, porque os venezuelanos não podem votar na pessoa que ganhou as eleições primárias, que sou eu, com 93% dos votos. Há entre 4 milhões e 5 milhões de venezuelanos que estão no exterior, já inscritos no registro eleitoral (impedidos de votar), e aqui há, pelo menos, 3 milhões de jovens que têm direito a voto e o regime não quis abrir o registro eleitoral.

Estamos falando de 8 milhões ou 9 milhões de venezuelanos, ou 40% dos que teriam direito a votar, e são impedidos. Maduro está cometendo todos os tipos de violações e de fraudes. Não posso viajar ou ficar em hotéis. Estão prendendo pessoas que contratamos para oferecer serviços nos comícios, negam gasolina aos motoristas que têm nos ajudado. Isso é uma perseguição brutal. Obviamente, não é uma eleição livre, mas os venezuelanos estão decididos a enfrentar e a superar todos os obstáculos.

Como se tem impedido o direito ao voto?

Um dos motivos é que o regime trocou os centros de votação sem consultas. Por exemplo, alguém que vota em Caracas terá que votar no Amazonas. Isso aconteceu com cerca de 800 mil pessoas, que mudaram o local de votação, e não sabemos se foi intencionalmente ou sem autorização. 

Quero que fique bem claro: a única maneira de Maduro ganhar a eleição é com uma fraude monumental. É a única maneira. Nós vamos ganhar esse processo e necessitamos que todos os democratas do mundo, particularmente os da América Latina, nos acompanhem e entendam que o conflito venezuelano é hoje a prioridade da região.

Quando a senhora fala dos líderes da América Latina, o presidente Lula pode ajudar nesse processo?

O presidente Lula pode ajudar muitíssimo, assim como os outros presidentes da América Latina. Mas no caso do presidente Lula, ele tem comunicação direta com Nicolás Maduro, o que outros presidentes não têm. Creio que este deve ser um momento em que Maduro entenda que uma transição negociada convém a todos, inclusive a ele. Lula tem feito declarações recentes muito importantes e valiosas, como também outros líderes da região.

Acredita que Lula pode convencer Maduro a realizar uma transição pacífica?

Não sei. O que eu sei é que Maduro está cada dia mais isolado. Atores internacionais que antes estavam ao lado dele hoje entendem que a única opção razoável é permitir que haja uma eleição onde os votos sejam contados. 

É o que estamos pedindo, que os votos sejam contados, ponto. Estamos dispostos a negociar seriamente uma transição, como está ocorrendo com muitos setores do chavismo que começam a se aproximar. E estamos dando garantias de que haverá uma transição ordenada, justa e que não teremos uma política de vingança ou revanche.

Os venezuelanos que estão em outros países, como o Brasil, podem retornar após as eleições?

Vou atraí-los de volta, um por um. Necessitamos deles aqui, um país que está destruído.

Como os países vizinhos, como o Brasil, podem ajudar depois das eleições, na reconstrução da Venezuela?

A grande oportunidade da Venezuela é o retorno da democracia. A integração com os vizinhos, em particular com o Brasil, será evidente em mineração, no setor ferro siderúrgico, na área energética, em telecomunicações...

Sobre o conflito com a Guiana, qual sua posição?

O território é da Venezuela, todos os argumentos estão a favor da Venezuela. As controvérsias territoriais no mundo de hoje devem ser resolvidas pela Justiça internacional, com seriedade, com responsabilidade, e não com ameaças bélicas. Isso é uma loucura. Cabe à Venezuela conquistar seus direitos na Corte Internacional de Justiça.


Fonte: O GLOBO