Objetivo é convencer o eleitor de que há aumento da violência nos maiores centros urbanos do país e que isso se deve ao número de infrações dos imigrantes, informação não confirmada por dados oficiais

Em um evento paralelo à Convenção Nacional Republicana, ontem de manhã, Chris LaCivita, um dos principais conselheiros de Donald Trump, reconheceu que a tentativa de assassinato do ex-presidente aumentou consideravelmente os possíveis caminhos para a vitória da oposição no Colégio Eleitoral em novembro. 

Mas, não menos importante, o consultor político também frisou que o atentado, no qual morreu o bombeiro Corey Comperatore, de 50 anos, “não alterou em nada a estratégia da campanha, centrada desde o início em dois pilares, não excludentes: imigração/crime e economia”. 

A noite de ontem no Fiserv Forum teve como tema central justamente a entrada de pessoas não documentadas no país, hoje em queda, mas que em 2023, de acordo com a organização independente Federação Para a Reforma da Imigração nos Estados Unidos, chegou a 3,2 milhões de pessoas.

'Construam o muro'

Às 18h em ponto, em resposta ao discurso da ex-âncora televisiva Keri Lake, candidata trumpista ao Senado no Arizona, estado que faz fronteira com o México, os delegados gritaram seguidas vezes na convenção "Construam o muro!". A referência é à promessa de campanha de Donald Trump, ainda em 2015, de que essa seria a saída para a diminuição da entrada de pessoas não documentadas no país. E, frisava Trump, "paga pelos mexicanos".

Nove anos depois, muro não há, e, de acordo com dados oficiais dos dois governos, mais mexicanos não documentados retornam hoje dos Estados Unidos para seu país do que os que entram em terras americanas ilegalmente pela fronteira. 

E a entrada nos EUA de pessoas sem a documentação devida, pela fronteira entre os dois países, caiu 29% em junho. A Casa Branca afirma que os números oficiais já refletem o veto temporário — criticado pelos democratas — à aceitação de pedidos de asilo anunciado por Biden no início do mês passado.

Os governistas também acusam os republicanos de terem derrubado um projeto de reforma da Imigração que endurecia as regras para entrada no país justamente para martelar o tema durante a campanha eleitoral. Antes, durante e certamente após a convenção, republicanos dizem que a proposta de Biden era modesta e só foi elaborada após uma crise de enormes proporções nas maiores metrópoles do país, inclusive nas governadas por democratas, como Nova York, com o aumento de pessoas em situação de rua e de recursos para abrigar os imigrantes.

Em um momento emblemático, Keri Lake voltou a ser muito aplaudida quando mentiu ao afirmar que seu oponente nas eleições para o Senado, o deputado Ruben Gallego, filho de uma colombiana e de um mexicano e à frente dela nas pesquisas, "apoiou projeto de lei que estende o voto aos ilegais". 

A frase não tem sequer uma informação correta: o projeto não existe, o deputado não o defendeu, não se detectou fraude envolvendo o voto de não documentados nos EUA em investigações feitas por uma dúzia de estados após as eleições de 2020. Mas também não houve economia alguma nos aplausos a Lake.

'Migrant crime'

A candidata deu o tom de uma noite em que estavam previstos também depoimentos de famílias impactadas por crimes violentos cometidos por moradores não documentados dos EUA. O objetivo é convencer o eleitor da tese da campanha, não confirmada por dados oficiais, de que há aumento da violência nos maiores centros urbanos do país e que isso se deve ao número de infrações dos imigrantes, igualmente risível nas estatísticas oficiais. 

Entre os oradores mais aguardados estavam a família de Rachel Morin, que os procuradores de Maryland afirmam ter sido estuprada e morta por um fugitivo salvadorenho. Trump cunhou o termo migrant crime (crime de imigrante) e o repete em seus comícios. Tratava do tema no momento anterior ao ataque na Pensilvânia.

A proposta de governo aprovada pela campanha republicana inclui a defesa de deportação em massa, com ajuda das Forças Armadas, de até 20 milhões de pessoas não documentadas a partir de 2025. Além do enorme impacto econômico e da complexidade, organizações da sociedade civil argumentam tratar-se de medida inconstitucional.

Ex-rivais discursam

A estratégia, no entanto, tem funcionado. Pesquisas mostram que a maioria dos eleitores confia mais em Trump do que em Biden tanto em imigração quanto no combate à violência. E a escolha do senador J. D. Vance para a vice-presidência agradou em cheio à ala nativista do partido. "A maior deportação em massa da História dos EUA agora tem um senhor copiloto", afirmou RJ Hauman, presidente do Centro Nacional para a Aplicação da Imigração e um dos expoentes do movimento nativista à Fox logo após o anúncio da chapa republicana.

A noite também foi de reforçar a união no Partido Republicano. Ex-rivais de Trump nas primárias foram convidados a discursar. Enfileiraram-se o governador da Flórida, Ron DeSantis, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley — que fizeram críticas acirradas ao magnata nas primárias — e o empresário Vivek Ramaswamy. Trump entrou para ouvi-los falar.


Fonte: O GLOBO