O Tribunal de Contas da União (TCU) está dividido a respeito do julgamento desta quarta-feira (7) que vai decidir se o presidente Lula terá de devolver um relógio presenteado pela grife francesa Cartier em 2005, no seu primeiro governo, e avaliado em R$ 60 mil na época – mas a defesa de Jair Bolsonaro não só já estudou o caso, como pretende usar o entendimento do tribunal a seu favor no caso das joias sauditas.

Por irônico que pareça, aliados de Bolsonaro torcem discretamente para que o TCU decida que o relógio é um item personalíssimo e libere Lula de devolvê-lo. Se isso acontecer, a defesa do ex-presidente poderá usar a decisão como precedente para tentar livrar Bolsonaro do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro foi indiciado em julho pela Polícia Federal por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro no inquérito das joias sauditas, sob a acusação de se apropriar indevidamente de presentes dados por autoridades estrangeiras durante o período em que ocupou o Palácio do Planalto.

O ex-presidente não é parte do caso do relógio de Lula, mas mesmo assim o time jurídico do ex-presidente pretende tentar extrair dele alguma fundamentação jurídica que possa servir para ajudá-lo no caso das joias sauditas.

Na petição apresentada na semana passada à Procuradoria-Geral da República (PGR), os advogados do ex-presidente já recorreram ao episódio de Lula para argumentar que o inquérito das joias, sob o comando de Alexandre de Moraes, deveria seguir os mesmos parâmetros usados para Lula, que recebeu o relógio durante o ano do Brasil na França.

O item não foi incluído entre uma série de presentes que o petista, junto com Dilma Rousseff, tiveram que devolver em 2016, após uma determinação do próprio TCU.

O plenário da corte de contas, porém, vai para o julgamento da quarta-feira dividido, apesar de um parecer da área técnica defender que o presente permaneça com o petista.

Isso porque naquela época ainda não havia a regra estabelecida depois, segundo a qual o presidente da República só pode levar consigo após deixar o cargo peças de uso pessoal e baixo valor – os chamados “itens personalíssimos”.

“O ideal seria garantir que o entendimento aplicado ao presidente da República seja aplicado também aos seus antecessores”, diz um interlocutor de Bolsonaro. “Se o Lula puder ficar com relógio e Bolsonaro é investigado criminalmente pelas joias, serão dois pesos, duas medidas.”

O relógio de Lula, um Cartier Santos Dumont, foi dado de presente pelo próprio fabricante durante uma visita oficial a Paris, para as celebrações do Ano do Brasil na França, iniciativa dos dois governos para promover relações bilaterais. A peça é feita de ouro branco 16 quilates e prata de 750. Foi o deputado federal bolsonarista Sanderson (PL-RS) quem provocou o TCU sobre o assunto.

Mas a defesa de Bolsonaro tem também uma estratégia para aproveitar a decisão do TCU caso o julgamento termine com a determinação de que Lula devolva o Cartier Santos Dumont: cobrar na Justiça a apuração de todos os presentes recebidos pelos ex-presidentes ao longo dos últimos 34 anos, de Fernando Collor até Lula, exigindo um “tratamento isonômico” – e de preferência abrindo inquéritos em casos semelhantes aos de Bolsonaro.

Seja qual for a decisão, aliados do ex-presidente avaliam que o entendimento do TCU pode servir para esclarecer de uma vez por todas qual regra deve valer para os presentes recebidos por chefes de estado no exercício do cargo.

Em 2016, no contexto do impeachment de Dilma Rousseff, a Corte de Contas firmou um entendimento sobre os itens personalíssimos a partir de regras já previstas em diferentes leis e decretos sobre que objetos podem ir para o acervo pessoal de ex-presidentes e quais devem ser incorporados ao patrimônio da União.

Mas a equipe jurídica de Bolsonaro avalia que o acórdão do TCU deixou uma zona cinzenta ao não delimitar uma linha de corte com um valor para diferenciar os itens personalíssimos dos outros. Ainda assim, o relator, Walton Alencar, foi explícito ao citar joias como exemplo de item que não pode ser considerado pessoal.

Segundo a perícia da Polícia Federal, os bens desviados no esquema das joias sauditas somam o equivalente a R$ 6,8 milhões – entre eles, constam um relógio rolex de US$ 73,7 mil (R$ 412,7 mil), um relógio Chopard de US$ 109,1 mil (R$ 610,9 mil) e outro da mesma marca de US$ 187 mil (R$ 1.047,2). Os valores foram estimados tendo como referência a cotação do dólar no início de julho, quando a PF enviou o relatório ao Supremo.

A defesa de Bolsonaro aguarda não apenas o desdobramento do julgamento de Lula, mas também os próximos passos da PGR no inquérito das joias sauditas. Conforme informou o blog, a expectativa é a de que a equipe do procurador-geral da República, Paulo Gonet, espere o fim da campanha eleitoral para decidir se apresenta Bolsonaro ou não, em um esforço para evitar a contaminação política do caso.

O relógio de Lula, aliás, é citado pela defesa de Bolsonaro em petição enviada a Gonet na semana passada, em que pede o arquivamento da investigação, sob a alegação de que o indiciamento da PF “viola os princípios da isonomia e da obrigatoriedade penal na medida em que situações análogas”, como a de Lula, “receberam tratamento absolutamente distinto” e “foram incorporados aos seus acervos pessoais sem qualquer desdobramento penal”.


Fonte: O GLOBO