Para se antecipar a derrotas judiciais que se transformarão em precatórios, governo vai chamar pessoas que tiveram requerimentos negados no INSS. Objetivo é economizar R$ 225 milhões

Na tentativa de evitar o aumento dos gastos com precatórios, que são valores que precisam ser pagos pela União por conta de sentenças judiciais desfavoráveis, o governo Luiz Inácio Lula da Silva prepara uma série de medidas para se antecipar ao Judiciário e evitar derrotas, que custam juros e correção monetária. As medidas preveem acordos com pessoas que já demandaram ou podem ir à Justiça contra o Executivo, com grandes chances de derrota para a União.

Nos próximos 90 dias, o governo dará início a um processo para convocar 170 mil trabalhadores com requerimentos, como pedidos de aposentadorias e pensões, indeferidos pelo INSS. São pedidos sobre os quais já há interpretação favorável na Justiça ao cidadão em casos semelhantes. O objetivo do governo é fazer acordo e iniciar o pagamento, antes que esses casos se transformem em ações judiciais.

Estima-se que a medida resulte em uma economia de R$ 225 milhões só com pagamento de juros e não envolva custas processuais, por exemplo. Uma portaria editada recentemente pela Advocacia-Geral da União (AGU) vai permitir que o processo seja feito em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU) e o INSS.




O projeto, batizado de “Pacifica”, vai começar pelos mais vulneráveis, como trabalhador rural, aposentadoria, salário-maternidade e Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Link em aplicativo

A estratégia é ampliar os acordos extrajudiciais e criar um link no aplicativo Meu INSS para que os candidatos aos benefícios possam acionar a AGU para fazer acordo. O INSS tem regras mais restritas que as Judiciário, o que explica o órgão negar pedidos e juízes autorizarem. Por outro lado, a AGU pode se antecipar e aplicar a interpretação do Judiciário, de acordo com um técnico do órgão.

Uma lei aprovada em 2015 já permite a realização desses acordos, mas o plano agora é aproveitar a janela de oportunidade, diante da necessidade de cortar gastos do Orçamento. O maior volume de precatórios contra a União vem de demandas por benefícios previdenciários e assistenciais.

Em outra frente, a AGU e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fizeram uma parceria para reduzir a litigiosidade em torno de dez teses atualmente em tramitação em várias instâncias nos tribunais, envolvendo reconhecimento do direito a benefícios da Previdência e assistenciais.

Foram selecionados temas que já contam com jurisprudência consolidada. Entre eles, estão reconhecimento de dependentes, concessão do BPC, auxílio-reclusão, auxílio-doença e critérios para a concessão da aposentadoria.

137 mil ações

Cada um desses temas trata de hipóteses específicas para a concessão dos benefícios, com impactos para as contas públicas. Assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) ou outra Corte superior se posicionar sobre os temas, será feita uma análise para saber se é possível propor acordo judicial ou se será adotada apenas a desistência do recurso.

A expectativa da AGU é que 137 mil ações deixem de ser ajuizadas no próximo ano em relação a esses dez temas.

Além das dez teses com jurisprudência consolidada ou decisões reiteradas, com tendência de acordo, outras 15 também em tramitação nos tribunais superiores, mas sem definição, despertaram o alerta na AGU.

Todos eles são de natureza previdenciária e, caso a União seja derrotada na Justiça, o impacto será de pelo menos R$ 117 bilhões por ano, segundo estimativa no órgão. Também nesses casos, a orientação é buscar acordos para minimizar perdas.

Sistema Nacional de Precatórios

Também com a ajuda do Conselho Nacional de Justiça, a AGU passará a fazer parte do Sistema Nacional de Precatórios, elaborado pelo Judiciário. Isso vai permitir uma análise aprofundada do precatório, de modo que o Executivo tenha maior previsibilidade sobre a dívida que está se formando, para poder fazer acordos com descontos e mitigar riscos fiscais.

Até este momento, o Executivo não tem a menor ideia do que virá de precatórios a cada ano. Só recebe a lista do que precisa ser pago. Para 2025, por exemplo, o governo terá de desembolsar R$ 70,7 bilhões com precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV), de até 60 salários mínimos.

Entre os precatórios, o mais caro deles é um processo em tramitação no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, envolvendo R$ 4,74 bilhões sobre o Aerus, o fundo de pensão da extinta Varig. Para evitar o desembolso, a AGU resolveu antecipar o pagamento e reduziu a dívida à metade.

Reforma da Previdência

Além disso, há dois processos em fase final de tramitação que assustam o governo: uma ação no STF que envolve pontos da Reforma da Previdência, como a volta da integralidade e paridade dos benefícios para servidores públicos, e outra do setor sucroalcooleiro, antiga, no valor de R$ 30 bilhões, no TRF-1.

Neste caso, a estratégia também será iniciar uma negociação ainda este semestre, por se tratar de uma causa já perdida.

Este ano, o governo recebeu com alívio a decisão do STF sobre a correção das contas do FGTS e o fim da revisão da vida toda. Com isso, o potencial com precatórios à vista cairá de R$ 1,8 trilhão, previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para R$ 1 trilhão, em outubro.

PEC de Bolsonaro

Esse movimento também se dá de olho em 2027. Até o ano anterior, segue em vigor uma proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada no governo Jair Bolsonaro, que limitava o pagamento de precatórios. O objetivo à época era economizar esses recursos para turbinar o Auxílio Brasil (hoje Bolsa Família).

O governo Lula, por sua vez, conseguiu autorização do STF para pagar o que exceder esse teto de precatórios fora das regras fiscais (como a meta fiscal). Mas essa autorização só vale até 2026. No ano seguinte, todos os precatórios entrarão no Orçamento, apertando os demais gastos.

Em alta desde 2016

Os precatórios variam muito ano a ano, mas têm crescido desde 2016. Os R$ 70 bilhões do ano que vem, por exemplo, representam algo em torno de 30% do total de recursos disponíveis para investimentos e custeio da máquina pública.

Técnicos da AGU avaliam que, depois da reversão da PEC do governo anterior, que buscava segurar o “meteoro” dos precatórios, será possível chegar a 2027, quando estava prevista a explosão desse tipo de despesa, com uma trajetória consolidada de queda desse gasto e com maior previsibilidade.

O termo “meteoro” foi usado pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, ao comentar o avanço desse tipo de gasto sobre o Orçamento. Com a reversão da PEC, o governo desembolsou R$ 93 bilhões no fim do ano passado e retomou o cronograma tradicional de pagamento de precatórios.


Fonte: O GLOBO