As maiores beneficiadas foram as meninas, que registraram menores taxas de gravidez não planejada

Educação é um investimento com retorno no longo prazo. Difícil achar quem conteste essa afirmação, mas, com frequência, ela é desprezada em análises que avaliam a qualidade do gasto público apenas a partir de resultados imediatos. 

Por isso é importante reforçar sempre esse aspecto, especialmente quando surgem novas evidências. A mais recente delas foi publicada pelo National Bureau of Economic Research na semana passada, em artigo de Esther Duflo, prêmio Nobel de Economia em 2019.

Duflo e co-autores (Pascaline Dupas, Elizabeth Spelke e Mark P. Walsh) acompanham desde 2008 os resultados de um programa de bolsas no ensino médio em Gana. Quando o incentivo foi criado, a matrícula naquele país não era gratuita nesta etapa (passou a ser em 2017), impedindo vários jovens de baixa renda de prosseguir nos estudos. 

No total, 2.064 adolescentes se candidataram a receber uma bolsa oferecida por uma ONG local, e 682 foram selecionados através de um sorteio. Esse formato de seleção viabilizou que os pesquisadores utilizassem o mais rigoroso método de avaliação de impacto: a comparação entre dois grupos populacionais de iguais características, separados aleatoriamente entre beneficiados e não-beneficiados.

Os primeiros resultados de estudos já publicados sobre esse experimento mostraram que o grupo que recebeu a bolsa tinha 28% mais probabilidade de ter completado o ensino médio. As maiores beneficiadas, porém, foram as meninas, que registraram menores taxas de gravidez não planejada e de casamento precoce. 

Como o estudo vem acompanhando esses adolescentes desde 2008, já é possível também mensurar os impactos intergeracionais, ou seja, verificados nos filhos daqueles que, lá atrás, foram ou não selecionados pelo programa. 

O novo estudo de Duflo e co-autores trata exatamente desses efeitos. Ele mostra primeiro que a taxa de mortalidade infantil foi menor no grupo de filhos de beneficiados pela bolsa no ensino médio. Mas o artigo vai além ao identificar também um efeito positivo e significativo no desempenho cognitivo dessas crianças.

Um achado peculiar foi que esses impactos cognitivos na segunda geração foram significativos apenas para os filhos de mulheres beneficiadas pela bolsa no ensino médio. Uma das possíveis explicações para isso é que o padrão de casamento dos homens foi com parceiras mais novas e de menor escolaridade, ao passo que as mulheres que receberam a bolsa na juventude eram mais propensas a estarem casadas com homens de igual ou maior escolaridade. 

Como o cuidado das crianças é uma tarefa que continua sobrecarregada em mulheres, a melhoria da escolaridade feminina tende a ter mais impacto no desenvolvimento infantil. A pesquisa identificou, por exemplo, que as mães mais escolarizadas conversavam e brincavam mais com seus filhos, em interações que contribuíam mais para o desenvolvimento infantil.

A avaliação dos impactos de longo prazo, até mesmo por seus custos e complexidade, é menos frequente do que a mensuração de resultados mais imediatos, como o desempenho em testes de aprendizagem. Não há dúvida que precisamos olhar para o que acontece hoje em sala de aula, mas não podemos perder de vista que os retornos do avanço na educação atravessam gerações.


Fonte: O GLOBO