Com um recorde de 585 mil vivendo no Brasil, país se tornou o terceiro principal destino de imigrantes da nação caribenha do mundo, ultrapassando recentemente os Estados Unidos
Não há um dia em que o advogado Rafael Sarabia, de 30 anos, não sonhe em voltar para a Venezuela. No Brasil há três anos, a possibilidade de uma transição de poder nas eleições presidenciais do último domingo, após 25 anos de chavismo, era sua esperança de retornar para um país "livre". Um dos dirigentes dos protestos contra o governo de Nicolás Maduro que tomaram as ruas em 2017 e 2018, Sarabia conta que precisou deixar a nação latino-americana depois de sofrer uma série de ameaças e tentativas de prisão por motivações políticas.
— Todos os dias penso em voltar para a Venezuela. Todas as manhãs pergunto a Deus quando a Venezuela vai estar livre para eu voltar. Mas [só retorno] se este governo acabar — relata ao GLOBO.
Carlos conta que, quando vivia na Venezuela, chegou a sofrer perseguição política de um funcionário do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC), órgão do Estado. Na época, ele trabalhava em uma fábrica de armas do governo, ganhando US$ 10 por semana. Um dia, ao sair a noite, conversava com um homem no momento em que ele foi sequestrado.
Não há um dia em que o advogado Rafael Sarabia, de 30 anos, não sonhe em voltar para a Venezuela. No Brasil há três anos, a possibilidade de uma transição de poder nas eleições presidenciais do último domingo, após 25 anos de chavismo, era sua esperança de retornar para um país "livre". Um dos dirigentes dos protestos contra o governo de Nicolás Maduro que tomaram as ruas em 2017 e 2018, Sarabia conta que precisou deixar a nação latino-americana depois de sofrer uma série de ameaças e tentativas de prisão por motivações políticas.
— Todos os dias penso em voltar para a Venezuela. Todas as manhãs pergunto a Deus quando a Venezuela vai estar livre para eu voltar. Mas [só retorno] se este governo acabar — relata ao GLOBO.
Sarabia é um dos mais de 585 mil imigrantes venezuelanos que hoje vivem no Brasil, o maior patamar da série histórica, consagrando a população como o maior grupo estrangeiro no país hoje. Este ano, o Brasil se tornou o terceiro principal destino da população no mundo depois de ultrapassar os Estados Unidos, na esteira do endurecimento das políticas migratórias americanas durante a campanha eleitoral.
Desde 2018, mais de 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país — 6,5 milhões deles rumo a nações na América Latina e no Caribe, com Colômbia (2,8 milhões) e Peru (1,5 milhões) no topo do ranking global, segundo dados da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela.
A reconexão entre as famílias fragmentadas pelo êxodo venezuelano foi uma das tônicas da campanha da oposição nas eleições presidenciais, na qual o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), responsável por organizar o pleito, consagrou a vitória de Maduro para um terceiro mandato de seis anos sem apresentar os boletins das urnas e com apenas 80% de votos apurados.
O resultado foi amplamente contestado por grande parte da comunidade internacional e pela oposição — unida em torno do candidato Edmundo González Urrutia, substituto da líder María Corina Machado, que foi inabilitada de concorrer pela Justiça, controlada pelo chavismo, apesar da vitória acachapante nas primárias no ano passado. Uma onda de protestos tomou as ruas desde então, com ao menos 11 mortos e 711 detidos identificados, dentre eles 74 menores, segundo a ONG Foro Penal. Cinco estátuas do ex-presidente Hugo Chávez, padrinho político de Maduro, foram derrubadas durante as manifestações.
Voto no exterior dificultado
O advogado, que hoje atua no acolhimento de outros imigrantes venezuelanos na ONG Aldeias Infantis, no Rio de Janeiro, disse ter ido atrás dos procedimentos para votar no exterior, mas não conseguiu devido aos entraves burocráticos impostos pelo governo Maduro. Dos milhões de venezuelanos no estrangeiro, apenas 69 mil conseguiram se registrar para votar, segundo levantamento do New York Times.
— Com certeza eu votaria no Edmundo. A verdade é que eu votaria até em um cachorro que se candidatasse a presidente para mudar esse regime que está na Venezuela hoje — afirmou Sarabia, endossando a tese de fraude da oposição: — Eu sabia que não iam legitimar a votação popular. Sempre fazem isso e sempre vão fazer.
O sentimento é compartilhado por Alitza García, mãe solo de 32 anos que migrou para o país há pouco mais de um ano. Técnica em administração, sua renda na Venezuela era insuficiente para alimentar seus dois filhos pequenos mesmo com dois empregos, o que a motivou a vir para o Brasil. Hoje, ela é empregada doméstica no Rio de Janeiro e se diz feliz por conseguir, com um único trabalho, sustentar a família. No entanto, ela continua sonhando com o dia em que poderá comprar uma casa no lugar onde nasceu.
— Eu não tenho uma casa hoje. Eu quero poder trabalhar, juntar dinheiro, e comprar uma casa para mim e meus filhos na Venezuela quando as coisas se acalmarem. Mas se não entregarem [a Presidência] a Edmundo, vou seguir trabalhando aqui — afirma García, reconhecendo o cenário difícil do país: — Vai demorar muito tempo para a Venezuela ressurgir. A Venezuela é muito rica, mas a má administração desse governo fez ela retroceder.
Perseguição política
Com alguns parentes ainda na Venezuela, García diz, orgulhosa, que sua família inteira "saiu cedo para votar e exercer seu direito" no domingo. Ela mesma tentou participar do pleito à distância, mas ficou surpresa ao descobrir que "Maduro acabou com todas as possibilidades de voto dos venezuelanos que moravam fora".
— Todos estão com o coração destroçado porque agora terão de esperar mais seis anos de luta, mais seis anos de fome — disse García, relembrando a perseguição política que membros da sua família viveram: — Meu pai sempre foi da oposição, mas tinha que se esconder e praticamente dizer que apoiava o governo para não sofrer violência.
Carlos (nome fictício) compartilhou com a reportagem, em condição de anonimato, as preocupações com seus familiares em meio à repressão aos protestos anti-governo. Segundo ele, seu filho, de 13 anos, viajou para a casa da sua irmã em Caracas, onde ela vive com o marido e a filha bebê, e agora está impedido de sair do país por causa da tensão nas ruas.
— Já houve mortos perto de onde minha irmã mora. Mais cedo, ela me disse que eles saíram para estocar comida porque temem que aconteça algo quando forem na rua. Meu cunhado trabalha como moto táxi e esta semana não está podendo trabalhar. À noite, houve uma tentativa de invasão à casa deles para roubar a moto — relata, destacando preocupações também com parentes que não vivem na capital. — A fronteira com a Colômbia está fechada, eu tenho familiares lá também. É muito difícil que as coisas se acalmem nos próximos dias. Até que saia o presidente, não vão se acalmar.
Desde 2018, mais de 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país — 6,5 milhões deles rumo a nações na América Latina e no Caribe, com Colômbia (2,8 milhões) e Peru (1,5 milhões) no topo do ranking global, segundo dados da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela.
A reconexão entre as famílias fragmentadas pelo êxodo venezuelano foi uma das tônicas da campanha da oposição nas eleições presidenciais, na qual o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), responsável por organizar o pleito, consagrou a vitória de Maduro para um terceiro mandato de seis anos sem apresentar os boletins das urnas e com apenas 80% de votos apurados.
O resultado foi amplamente contestado por grande parte da comunidade internacional e pela oposição — unida em torno do candidato Edmundo González Urrutia, substituto da líder María Corina Machado, que foi inabilitada de concorrer pela Justiça, controlada pelo chavismo, apesar da vitória acachapante nas primárias no ano passado. Uma onda de protestos tomou as ruas desde então, com ao menos 11 mortos e 711 detidos identificados, dentre eles 74 menores, segundo a ONG Foro Penal. Cinco estátuas do ex-presidente Hugo Chávez, padrinho político de Maduro, foram derrubadas durante as manifestações.
Voto no exterior dificultado
O advogado, que hoje atua no acolhimento de outros imigrantes venezuelanos na ONG Aldeias Infantis, no Rio de Janeiro, disse ter ido atrás dos procedimentos para votar no exterior, mas não conseguiu devido aos entraves burocráticos impostos pelo governo Maduro. Dos milhões de venezuelanos no estrangeiro, apenas 69 mil conseguiram se registrar para votar, segundo levantamento do New York Times.
— Com certeza eu votaria no Edmundo. A verdade é que eu votaria até em um cachorro que se candidatasse a presidente para mudar esse regime que está na Venezuela hoje — afirmou Sarabia, endossando a tese de fraude da oposição: — Eu sabia que não iam legitimar a votação popular. Sempre fazem isso e sempre vão fazer.
O sentimento é compartilhado por Alitza García, mãe solo de 32 anos que migrou para o país há pouco mais de um ano. Técnica em administração, sua renda na Venezuela era insuficiente para alimentar seus dois filhos pequenos mesmo com dois empregos, o que a motivou a vir para o Brasil. Hoje, ela é empregada doméstica no Rio de Janeiro e se diz feliz por conseguir, com um único trabalho, sustentar a família. No entanto, ela continua sonhando com o dia em que poderá comprar uma casa no lugar onde nasceu.
— Eu não tenho uma casa hoje. Eu quero poder trabalhar, juntar dinheiro, e comprar uma casa para mim e meus filhos na Venezuela quando as coisas se acalmarem. Mas se não entregarem [a Presidência] a Edmundo, vou seguir trabalhando aqui — afirma García, reconhecendo o cenário difícil do país: — Vai demorar muito tempo para a Venezuela ressurgir. A Venezuela é muito rica, mas a má administração desse governo fez ela retroceder.
Perseguição política
Com alguns parentes ainda na Venezuela, García diz, orgulhosa, que sua família inteira "saiu cedo para votar e exercer seu direito" no domingo. Ela mesma tentou participar do pleito à distância, mas ficou surpresa ao descobrir que "Maduro acabou com todas as possibilidades de voto dos venezuelanos que moravam fora".
— Todos estão com o coração destroçado porque agora terão de esperar mais seis anos de luta, mais seis anos de fome — disse García, relembrando a perseguição política que membros da sua família viveram: — Meu pai sempre foi da oposição, mas tinha que se esconder e praticamente dizer que apoiava o governo para não sofrer violência.
Carlos (nome fictício) compartilhou com a reportagem, em condição de anonimato, as preocupações com seus familiares em meio à repressão aos protestos anti-governo. Segundo ele, seu filho, de 13 anos, viajou para a casa da sua irmã em Caracas, onde ela vive com o marido e a filha bebê, e agora está impedido de sair do país por causa da tensão nas ruas.
— Já houve mortos perto de onde minha irmã mora. Mais cedo, ela me disse que eles saíram para estocar comida porque temem que aconteça algo quando forem na rua. Meu cunhado trabalha como moto táxi e esta semana não está podendo trabalhar. À noite, houve uma tentativa de invasão à casa deles para roubar a moto — relata, destacando preocupações também com parentes que não vivem na capital. — A fronteira com a Colômbia está fechada, eu tenho familiares lá também. É muito difícil que as coisas se acalmem nos próximos dias. Até que saia o presidente, não vão se acalmar.
Carlos conta que, quando vivia na Venezuela, chegou a sofrer perseguição política de um funcionário do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC), órgão do Estado. Na época, ele trabalhava em uma fábrica de armas do governo, ganhando US$ 10 por semana. Um dia, ao sair a noite, conversava com um homem no momento em que ele foi sequestrado.
Um amigo do sujeito acusou Carlos de envolvimento na ação, o que ele nega. A partir disso, um agente do CICPC começou a ameaçá-lo de morte. A investida o levou a fugir da sua cidade e depois sair do país. Primeiro ele foi para a Colômbia, e depois veio para o Brasil, onde tenta uma recolocação no mercado de construção civil.
Possível novo fluxo
Retornar para a Venezuela não é um desejo de todos, mas o possível recrudescimento do regime em um novo mandato de Maduro pode atrair ainda mais venezuelanos, seja em busca de uma melhor qualidade de vida ou de reconexão familiar. Para Daniela Alayon, de 26 anos, que foi acolhida pela Associação Voluntários para Serviço Internacional (AVSI) em Brasília, a saída de Maduro não seria suficiente para voltar, mas a sua permanência no poder a motivaria a trazer o restante de sua família.
— Se Maduro continuar sendo presidente, eu não volto e tentaria trazer meus irmãos e sobrinhos os poucos. Agora, se Edmundo for presidente, eu reconsideraria minha decisão, mas só para visitar — disse Alayon.
Fonte: O GLOBO
Possível novo fluxo
Retornar para a Venezuela não é um desejo de todos, mas o possível recrudescimento do regime em um novo mandato de Maduro pode atrair ainda mais venezuelanos, seja em busca de uma melhor qualidade de vida ou de reconexão familiar. Para Daniela Alayon, de 26 anos, que foi acolhida pela Associação Voluntários para Serviço Internacional (AVSI) em Brasília, a saída de Maduro não seria suficiente para voltar, mas a sua permanência no poder a motivaria a trazer o restante de sua família.
— Se Maduro continuar sendo presidente, eu não volto e tentaria trazer meus irmãos e sobrinhos os poucos. Agora, se Edmundo for presidente, eu reconsideraria minha decisão, mas só para visitar — disse Alayon.
Fonte: O GLOBO
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