Congresso e Supremo tiveram entendimentos diferentes sobre a questão

Diante de interpretações divergentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o chamado marco temporal das terras indígenas, a Corte realiza nesta segunda-feira a primeira reunião para tentar uma conciliação sobre o tema. O encontro vai reunir representantes dos povos originários, do governo, estados, municípios e parlamentares.

A lei do marco temporal foi aprovada pelo Congresso uma semana após o STF considerar como inconstitucional a tese que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam no momento da promulgação da Constituição, em novembro de 1988. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a vetar a medida aprovada pelos parlamentares, mas seu veto foi derrubado.

Após novas ações apresentadas na Justiça contra a lei aprovada pelo Congresso, o ministro Gilmar Mendes, do STF, designou a realização de audiência que envolverá representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), pelo Congresso Nacional, pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios.

Nos últimos dias, integrantes da Apib vêm manifestando descontentamento com a forma como a audiência foi estruturada, e se preocupam com o fato de a Procuradoria-Geral da República (PGR) atuar como observadora, e não membro efetivo da conciliação.

– Estamos chegando na reunião com a corda no pescoço, em disparidade de armas – diz ao GLOBO Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.

Terena se refere ao fato de, pela Constituição, o Ministério Público Federal (MPF) ser designado o protetor dos direitos dos povos indígenas e na audiência conduzida pelo Supremo não ter direito a fala.

Na PGR, contudo, o entendimento é o de que não há problema na participação como ouvinte uma vez que os seus posicionamentos contrários à Lei do Marco Temporal foram externados em parecer exaustivo apresentado à Corte em abril.

Na manifestação, a PGR defendeu a derrubada do marco temporal e afirmou que diversos dispositivos da lei aprovada pelo Congresso são “capazes de inviabilizar o andamento das demarcações, prejudicando a eficiência e a duração razoável do processo e ofendendo os postulados da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito”.

Pelo lado do Congresso, que aprovou a lei ainda em 2023, a expectativa é que possa haver um meio termo mediado pelo Supremo. A senadora de oposição Tereza Cristina (PP-MS), ligada à bancada ruralista, e o senador Jacques Wagner (PT-BA), líder do governo na Casa, serão os representantes do Parlamento.

Do lado do Executivo, segundo interlocutores da Advocacia-Geral da União (AGU) ouvidos pelo GLOBO de forma reservada, a avaliação é de que há pouquíssimo espaço para negociação, e que a iniciativa do Supremo de "conciliar", embora positiva, esbarra em inúmeros entraves. Mas esperam que, ao menos, as conversas sirvam para que novas perceptivas sejam exploradas.

Uma das principais inquietações do Executivo está no fato de que, na decisão que declarou o marco temporal inconstitucional, o Supremo também determinou a indenização das pessoas que ocuparam "de boa fé" as terras consideradas indígenas – o que poderia representar um grande imbróglio fiscal, nas estimativas de pessoas que acompanham as discussões.

Em abril, Gilmar determinou a suspensão de todos os processos judiciais que discutam a questão. Na decisão, ele reconheceu aparente conflito entre possíveis interpretações da lei que restabeleceu o marco temporal e as balizas fixadas pelo STF no julgamento que declarou a tese inconstitucional. A interlocutores, o ministro tem dito ser preciso evitar a insegurança jurídica, e que a questão da exploração das terras indígenas precisa ser debatida de uma forma racional, sem ideologias.

As reuniões da comissão de conciliação devem ocorrer até 18 de dezembro. Se até lá não houver acordo entre as partes sobre o tema, os processos que questionam a lei aprovada pelo Congresso seguirão o curso normal dentro da Corte, que deverá julgar o tema.

Às vésperas da audiência, um ataque na Terra Indígena Lagoa Panambi, em Mato Grosso do Sul, foi registrado e fez 10 vítimas. A Força Nacional precisou ser acionada. Lideranças indígenas se queixam de que enquanto o Supremo busca a via da conciliação, a lei aprovada pelo Congresso não foi suspensa e segue em vigência, gerando conflitos sobre a posse das terras.


Fonte: O GLOBO