Presidente americano discursou na Assembleia Global da ONU logo após Luiz Inácio Lula da Silva descer do púlpito

Presidente dos EUA, Joe Biden, discursa na ONU — Foto: ANGELA WEISS / AFP

Em seu último discurso perante a Assembleia Geral da ONU como presidente, o chefe de Estado americano, Joe Biden, afirmou que é chegada a hora de colocar um fim na guerra entre Israel e Hamas em Gaza e desescalar as tensões regionais no Oriente Médio, em meio aos embates das forças israelenses e do movimento xiita Hezbollah no Líbano. Aos 81 anos, Biden, que decidiu desistir da tentativa de reeleição nos EUA, não retornará ao principal palco multilateral do mundo.

— Estamos trabalhando para levar grandes medidas de paz e estabilidade ao Oriente Médio. O mundo não deve vacilar sobre os horrores de 7 de outubro, qualquer país teria o direito de garantir que um ataque como aquele não acontecesse novamente — disse Biden, defendendo o direito de defesa de Israel após o atentado e apontando o Hamas como responsável por começar a guerra. — Agora é tempo das partes finalizarem os termos [de um acordo], trazer os reféns para casa, garantir a segurança de Israel e de Gaza, livre do Hamas, e terminar esta guerra.

Ainda sobre as tensões no Oriente Médio, o presidente americano afirmou seu país vem trabalhando desde o atentado para prevenir que uma guerra regional se espalhasse pelos países vizinhos — algo que não se conseguiu evitar, com desdobramentos na Síria, Iêmen, Irã, Líbano e no Mar Vermelho. Na análise apresentada por ele, porém, ainda há tempo para resolver a situação por meio do diálogo.

— O Hezbollah, sem ser provocado, uniu-se ao ataque de 7 de outubro, lançando foguetes em Israel — disse Biden. — [Quase um ano depois] Uma guerra em larga escala não é do interesse de ninguém. Embora a situação tenha se agravado, uma solução diplomática ainda é possível. Na verdade, continua sendo o único caminho para uma segurança duradoura para permitir que os moradores de ambos os países retornem para suas casas na fronteira com segurança.

O democrata também fez uma rápida menção ao Irã, a quem chamou de "ameaça" junto a seus grupos aliados na região (incluindo Hamas e Hezbollah). Ele afirmou que garantir uma negociação deixaria a comunidade internacional em uma posição forte em relação a Teerã, e garantiu que nunca permitiria que o país desenvolvesse uma bomba nuclear.

Biden deixa a sessão da 79ª Assembleia Geral da ONU — Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

A escalada de violência no Oriente Médio é um dos temas que deve ocupar um espaço importante nos próximos dias durante os encontros multilaterais e bilaterais às margens da Assembleia Geral. Em seu discurso de abertura, antes de Biden, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou preocupação e pediu uma ação global para controlar a situação entre Israel e Hezbollah no Líbano.

— O Líbano está à beira do abismo. O povo libanês, o povo israelense e os povos do mundo não podem permitir que o Líbano se torne outra Gaza — disse Guterres. — [A comunidade internacional deve] mobilizar-se para um cessar-fogo imediato e a libertação incondicional de todos os reféns [israelenses detidos pelo Hamas].

Sobre o conflito em Gaza — interligado com a atual escalada entre Líbano e Israel —, Guterres classificou o ataque terrorista lançado pelo Hamas, em 7 de outubro, como desprezível, condenando também a violência que se seguiu na região.

— Nada justifica os atos abomináveis ​​de terror — disse, acrescentando que nada poderia justificar a punição coletiva dos palestinos.

A fala foi aplaudida pela Assembleia.

Washington tenta atuar como mediador da situação no Oriente Médio, atuando como um interlocutor entre Israel e Hamas no conflito em Gaza. Há meses, Biden busca emplacar uma proposição de cessar-fogo em etapas, envolvendo a libertação dos reféns israelenses em Gaza e a retirada das tropas do Estado judeu do território palestino. Até o momento, no entanto, não houve consenso.

Embora a administração Biden tenha cobrado o governo israelense pelos ataques contra o enclave palestino ao longo da guerra, Washington se mantém como principal apoio internacional e estratégico de Israel. Nos últimos dias, autoridades americanas, incluindo o presidente, disseram atuar por uma desescalada.

Mas, na segunda-feira, o Pentágono afirmou que um "pequeno número" de tropas adicionais seria enviado ao Oriente Médio em resposta às crescentes tensões na região. Ao fazer o anúncio do envio de soldados adicionais, o major-general Pat Ryder não esclareceu quantos serão enviados, nem por quanto tempo ou para qual missão.

— Não acreditamos que seja do interesse de Israel que isso se intensifique, que haja uma guerra total no norte, na linha azul entre Israel e o Líbano — disse o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby.

Guerra na Ucrânia

O presidente americano também se referiu ao conflito ativo na Europa, pedindo aos aliados para que se mantenham firmes no apoio à Ucrânia, enquanto o país luta para repelir a invasão do presidente russo Vladimir Putin — uma guerra que se arrasta há dois anos e meio — dizendo que os aliados de Kiev "não podem desistir".

— A boa notícia é que a guerra de Putin falhou — disse Biden. — O mundo agora tem outra escolha a fazer: manteremos nosso apoio para ajudar a Ucrânia a vencer esta guerra e preservar sua liberdade ou iremos embora, deixaremos a agressão ser renovada e uma nação destruída.

O tema voltará a agenda do presidente nos próximos dias, uma vez que Biden tem uma reunião marcada na quinta-feira com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que deve apresentar seu "plano de vitória" para acabar com a guerra. A proposta vem com algumas exigências, incluindo outro impulso para se juntar à Otan e um compromisso de Biden com um fornecimento ininterrupto de armas avançadas.

Fim de ciclo

Pisando pela última vez em uma Assembleia Geral da ONU como chefe de Estado, Biden colocou sua própria trajetória política em uma perspectiva histórica, citando momentos delicados da política externa americana, crises mundiais, e como os desafios foram superados um a um. Em certos momentos, adotou um tom leve para se referir ao passar dos anos.

— É a quarta vez que eu tenho a grande honra de falar a esta Assembleia como presidente dos EUA. E será a minha última. Eu vi uma incrível parte da História. Eu fui eleito pela primeira vez como senador dos EUA em 1972, embora eu sei que eu pareça ter apenas 40 anos de idade, eu sei disso — disse Biden, arrancando risos dos chefes de Estado e chanceleres reunidos em Nova York.

Biden acena para os chefes de Estado reunidos na Assembleia Geral da ONU — Foto: Timothy A. Clary/AFP

O democrata lembrou de momentos críticos que enfrentou em sua carreira política, como a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, e outros conflitos no Oriente Médio, o apartheid na África do Sul e o atentado de 11 de setembro, afirmando que todos foram superados, embora com dificuldades e esforço.

— Mesmo que naveguemos por tantas mudanças, uma coisa não deve mudar: não podemos nunca esquecer quem nós estamos aqui para representar. O povo — disse Biden. — Eu fiz da defesa da democracia a causa central da minha presidência. Neste verão (no Hemisfério Norte), eu enfrentei a decisão de não buscar o meu segundo mandato como presidente. Foi uma decisão difícil, ser presidente foi a honra da minha vida. Havia muito mais que eu queria fazer. Mas por mais que eu ame meu trabalho, eu amo mais o meu país. Eu decidi, depois de 50 anos de serviço público, que é tempo de uma liderança de uma nova geração levar o meu país adiante. Meus caros líderes, nunca esqueçamos, algumas coisas são mais importantes do que continuar no poder. Seu povo.

Promessas passadas a limpo

A Casa Branca havia antecipado que Biden, em seu último ano de mandato, defenderia que sua "visão de um mundo onde os países se unem para resolver grandes problemas" — algo que disse que faria prevalecer durante seu mandato, após os anos de uma política externa conflitiva e isolacionista de Donald Trump — teria produzido "resultados, conquistas reais para o povo americano e o mundo”.

Mas ainda há uma série de problemas a serem resolvidos, incluindo a ausência de um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, a crescente violência na fronteira Israel-Líbano e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

— Os EUA estão de volta, tudo bem. Ele pode argumentar isso. Mas com severas limitações em sua capacidade de liderar — disse Aaron David Miller, um negociador de paz de longa data no Oriente Médio que aconselhou presidentes de ambos os partidos. — A administração de Biden é uma mostra de alerta, ao meu ver, de quão complicado e surpreendente é o ambiente internacional e as limitações do poder americano. (Com AFP, Bloomberg e NYT)


Fonte: O GLOBO