Ao GLOBO, Álamo Saraiva espera que os pesquisadores brasileiros, principalmente os do Nordeste, recebam mais atenção dos governantes

Natural de Crato, Álamo Saraiva foi pioneiro em escavações na Bacia do Araripe — Foto: Flaviana Lima/Laboratório de Paleontologia da URCA

"Nem nos meus sonhos mais delirantes esperava ganhar uma honraria tão grande", celebrou o professor e paleontólogo Antônio Álamo Feitosa Saraiva, o primeiro brasileiro a ganhar o Morris F. Skinner, um dos mais reconhecidos prêmios da Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP). Saraiva é pioneiro em escavações na Bacia do Araripe, um sítio paleontológico localizado entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. De lá, foram extraídos fósseis de dinossauros que foram para a Europa e, por isso, o professor luta pela repatriação dessas preciosidades científicas.

O paleontólogo, natural de Crato, no Ceará, será agraciado durante o 84º encontro anual da SVP, no dia 2 de novembro, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Composta por cientistas, estudantes, artistas, ativistas, escritores e acadêmicos, a sociedade tem como objetivo incentivar a descoberta, preservação e proteção de fósseis de vertebrados, além de promover o avanço da paleontologia.

Em entrevista ao GLOBO, o professor expressou sua surpresa ao receber o prêmio, e destacou que o reconhecimento – vindo após anos de dedicação à paleontologia, especialmente na Bacia do Araripe – foi uma validação de sua luta na área.

— Esses prêmios, geralmente, são entregues a norte-americanos, europeus, indianos e japoneses. Eu, quando recebi o e-mail da SVP, achei que fosse brincadeira. Foi uma surpresa. Com essa premiação, vi que valeu a pena esse tempo todo de luta na paleontologia. Participei de dezenas de descrições de espécie, fui pioneiro em escavações paleontológicas na Bacia do Araripe e imagino que a honraria foi pelo conjunto da obra, especialmente pela minha briga em relação ao nosso patrimônio científico-cultural — disse Saraiva.

Na Alemanha, segundo o professor, existem fósseis do dinossauro Mirischia (Mirischia asymmetrica), extraídos da Bacia do Araripe, um pequeno herbívoro que viveu há cerca de 110 milhões de anos, no período Cretáceo. Além dele, há também fósseis do dinossauro Irritator challengeri, que era carnívoro e viveu na mesma época do Mirischia. Já na Inglaterra, existe uma rica coleção de insetos do Ceará.

Irritator challengeri e Mirischia asymmetrica — Foto: Reprodução / Olof Moleman | Creative Commons / Wikipedia

Após essa premiação, Saraiva espera que os pesquisadores brasileiros, principalmente os do Nordeste, recebam mais atenção dos governantes, enfatizando a importância do investimento na produção científica.

— Temos excelentes pesquisadores no Brasil, mas falta uma política de continuidade e mais investimento. Um país que não investe está fadado a gastar muito mais comprando pesquisa dos outros. O que resolve isso? A produção do conhecimento aqui. Mas o Brasil investe pouco em educação e pesquisa. Depois dessa premiação, espero que nós, pesquisadores, sejamos vistos pelos governantes. Nossa vida é a descoberta — acrescenta Saraiva.

Antônio Álamo Feitosa Saraiva

Antônio Álamo Feitosa Saraiva nasceu no Crato, no dia 22 de março de 1961. Foi vaqueiro até os 14 anos e, em 1994, virou professor da Universidade Regional do Cariri (URCA). Atualmente, é chefe do Departamento de Ciências Biológicas e coordenador do Laboratório de Paleontologia da URCA. É um dos pioneiros na pesquisa paleontológica caririense e também integra o grupo de pesquisadores dedicados em combater o tráfico de fósseis do Ceará e do Brasil.

Até a adolescência, Álamo sonhava em ser veterinário. No entanto, esse objetivo desmoronou quando visitou, aos 16 anos, uma granja perto de Fortaleza. Lá, viu como os pintinhos eram selecionados e mortos caso tivessem algum “defeito”. Uma das vítimas, na ocasião, foi um pintinho negro, oriundo de uma rara condição genética chamada fibromenalose.

Em 1994, Saraiva se tornou professor da Universidade Regional do Cariri — Foto: Flaviana Lima / Laboratório de Paleontologia da URCA

— Por gostar da natureza, eu queria ser veterinário. Na época, visitei a maior granja do Ceará que produzia centenas de pintos e ovos por dia. Os bichinhos entravam em uma esteira e eu os separava por sexo. Na ocasião, todos os pintinhos eram amarelinhos, mas apareceu um negro: a cada 600 pintos, um pode nascer diferente. No entanto, uma pessoa pegou ele e matou. Eu, aborrecido, perguntei o motivo e me responderam que ele era 'fora do padrão'. Racismo até na granja? Por isso, decidi desistir do curso de veterinário — lembra o paleontólogo.

Riqueza natural de Crato

O Crato fica no Cariri cearense, popularmente conhecido como "oásis do Sertão" pelas características climáticas mais úmidas e favoráveis à agropecuária. A cidade localiza-se no sopé da Chapada do Araripe, no extremo-sul do estado, e suas temperaturas são relativamente baixas no inverno e elevadas no verão – ao contrário de outras áreas do Nordeste. Crato também se destaca em comercializar produtos rurais, oriundos do desenvolvimento da agricultura nos vales irrigados da região do Cariri.

Além disso, a famosa Exposição Agropecuária do Crato (Expocrato), feira agropecuária que inclui shows e atrai milhares de visitantes à cidade todo mês de julho. Crato, portanto, é uma das cidades mais importantes e antigas do Ceará, sendo a sexta cidade mais populosa, a 3ª mais desenvolvida e o 7º maior PIB do estado.

— Uma das três principais bacias paleontológicas do mundo é a do Araripe, importante pela quantidade e diversidade de fósseis que existem nela. Todos os museus do mundo querem ter fósseis de lá. Desde a década de 1960, começou um movimento de exportação clandestina deles, que são bens da União: não podem ser vendidos, só explorados. Por isso, os nossos fósseis importantes estão no exterior, e nossa briga é para deixá-los aqui para servir de fonte de pesquisa. Tenho fascínio pela natureza da minha região. O Crato é muito rico — diz o professor.

Com 3.796 km², o Geoparque Araripe foi o primeiro geoparque chancelado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nas Américas, em 2006. Localizado no sul do Ceará, reúne sítios paleontológicos, geológicos, de biodiversidade, história e cultura da região do Cariri. A região possui abundância de fósseis, alguns com até 150 milhões de anos, reconhecidos mundialmente pela alta preservação.

Fóssil de camarão com 110 milhões de anos

Em 2013, o fóssil de um crustáceo, com cerca de 110 milhões de anos, foi encontrado no distrito de Jamacaru, próximo a Crato, no Ceará. Trata-se do primeiro fóssil deste tipo a ser encontrado na região, pelos pesquisadores da URCA. A descoberta é mais uma evidência de que a região, no semiárido nordestino, já foi banhada pelo mar na era Cretácea, entre 140 milhões e 65 milhões de anos, ou pelo menos tinha lagoas com certo nível de salinidade.

O fóssil descoberto tem 1,8m de comprimento e foi encontrado depois de 11 dias e 9,5 metros de escavação. Preservado em uma concreção calcária, conhecida como “pedra de peixe”, o camarão teve a aparência preservada de forma tridimensional, o que é mais raro e torna a descoberta mais valiosa.

*Sob supervisão de Daniel Biasetto


Fonte: O GLOBO